21/12/2012
Ano 16 - Número 819

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Follow RevistaRIOTOTAL on Twitter

Enéas Athanázio



A LUTA REVOLUCIONÁRIA DOS CAIFAZES

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Nem de longe a história convencional fornece uma ideia do que foi na realidade a luta pela Abolição em nosso país. O distanciamento no tempo deixa nas pessoas a impressão de que tudo aconteceu de maneira suave e pacífica até que a Princesa Isabel decretasse o fim da escravidão de três séculos vigente no Brasil. Mas não foi tudo assim tão fácil, antes pelo contrário. E para mostrar a luta árdua, violenta e perigosa que precedeu a libertação dos negros é que a ficção histórica, fundamentada em fatos reais, intercede através das obras de autores corajosos e pacientes, dedicados a amplas e minuciosas pesquisas que reconstituem aquilo que de fato aconteceu. Esse é o caso do professor e advogado Nelson Câmara, cujo romance “A Camélia Branca” (Editora Lettera.doc – S. Paulo – 2011) acabo de ler com crescente interesse.

Trata-se de típico romance histórico, enquadrado dentro de acontecimentos reais e conhecidos, registrados pela história, espaço em que o autor se move com inteira liberdade, dando largas à imaginação, e onde personagens reais e fictícios se cruzam e entrecruzam no mesmo plano sem que o leitor possa distinguir uns dos outros sem algum conhecimento prévio dos fatos. E assim o leitor capta o clima reinante na época, a temperatura do ambiente em certos momentos, a vibração das pessoas envolvidas, as estratégias e os detalhes da tremenda luta. A trama acontece em 1882 e 1883, tendo como pano de fundo as cidades de São Paulo, Santos e Rio de Janeiro, a capital de um Império em fase final e nos estertores da escravidão. Nesse panorama avultam as figuras de Luiz Gama (1830/1882), o advogado dos negros, falecido logo no início, e Antonio Bento de Souza e Castro (1843/1898), dois ardorosos e incansáveis abolicionistas, considerando-se este último um discípulo do primeiro. Embora buscassem o mesmo ideal libertário de abolir o nefando regime, cada um deles adotou método distinto. Enquanto Gama batalhava de forma legal, manuseando a escassa e tendenciosa legislação, Antonio Bento preferia a luta revolucionária, invadindo senzalas na calada da noite para libertar os cativos e enviá-los a local seguro através de complexa teia de protetores. Ex-promotor e ex-juiz municipal, Antonio Bento havia perdido o cargo em virtude de suas posições abolicionistas e desde então se entregou à luta com todo o ardor. Figura estranha e impressionante, foi um homem alto e magro, sempre trajado de preto, usava óculos azuis com pequenas lentes e uma barbicha característica. Nunca sorria. Dono de invulgar coragem, afrontava os fazendeiros e a polícia que os defendia, organizando passeatas, movimentando os alunos da Academia de Direito de São Paulo e pregando a Abolição em todas as oportunidades. Comentava-se que fora membro da “Bucha”, entidade secreta fundada para ajudar alunos das Arcadas pelo enigmático professor alemão Júlio Frank, biografado de forma magistral por Afonso Schmidt (“À Sombra de Júlio Frank”) e que se encontra sepultado no pátio interior da própria Faculdade de Direito.

O grupo liderado por Antonio Bento se denominava os Caifazes e seus simpatizantes portavam na lapela uma camélia branca, símbolo da pureza de propósitos que os norteava. Dizia-se que a própria Princesa Isabel levava essa flor no chapéu e renovava todos os dias um vaso de camélias que permanecia sobre sua mesa de trabalho. A maioria dos abolicionistas pertencia à Maçonaria.

No correr da obra, num toque de romantismo, dois casos de amor se desenrolam. No primeiro deles, os escravos foragidos Ana e Manelão, prometidos desde a infância, são separados por contingências da fuga e padecem as dores da separação forçada. No segundo, desenvolvido com tranquilidade e sem tropeços, dois jovens das classes mais altas se apaixonam, Eugênia e Tobias. E até a generosa judia inglesa Sarah, que tanto amparou os enamorados, vive momentos intensos, ainda que passageiros, nos braços de antigo amor. Mas no final, depois do vendaval, vem a bonança e a felicidade por todos conquistada com tanta luta. Em poucos anos os resultados aparecem e a Abolição se torna realidade, ainda que o país não concedesse aos libertos meios e modos de competir em igualdade com os demais. Muitos e muitos se tornaram livres para morrer de fome.
___________________________
Endereço da Editora: Rua 7 de Abril, 235 – Conj. 304
01043-000 -- SÃO PAULO -- SP.



(21 de dezembro/2012)
CooJornal nº 819



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC


Direitos Reservados