16/11/2012
Ano 16 - Número 813

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio



 O “CORONEL” DE CARUARU

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Meu amigo João Fernando Maciel, pernambucano de Caruaru, sociólogo, professor e jornalista, meu companheiro nas andanças pelos ínvios do sertão calcinado pela estiagem, enriquecendo a viagem pelo muito que conhece de nordestinidades e pela incansável disposição para andar, ver e especular, não tem igual. Mesmo com o solão a pino e com o ar tão pesado que a gente quase podia avistá-lo nas quebradas poeirentas, nunca cessava de se agitar, falar, gesticular.

Doutor por formação e pela boca do povo, é autêntico “coronel” da tradição. Chefe sem cargo, político sem mandato, é líder natural e homem público que vive e sofre pela sua terra, vibra e padece por sua gente, por todos se interessa e com tudo se preocupa. Em Caruaru, a todos conhece e por todos é reconhecido, na célebre feira, nas ruas, no comércio, nas repartições. Com todos conversa, a todos orienta, aconselha, informa, ajuda. Distribui livros aos montões a alunos pobres, resolve problemas miúdos e graúdos, advoga causas impossíveis, paga o lanche do esfomeado e dá esmola ao ceguinho da esquina. Tem um ror de compadres e afilhados.

E anda, perambula, troteia sem cansaço. Parece ubíquo, porque está em todos os recantos, no centro, nas ruelas, nas avenidas e nos becos, inclusive nos que não têm saída. Sente necessidade inadiável de fiscalizar todos os dias o que ocorre com o povo da cidade, o seu povo. Nunca está só. Ao seu redor há um séqüito de peões solícitos e, dentre eles, se destaca Edivaldo, o capataz. Atento, acode ao mínimo gesto do chefe e cumpre suas ordens sem pestanejar.

“Edivaldo, - ordena, - leva estes livros pros meninos de Siá Marocas. E olha lá, é um pé lá e outro cá!” – E lá vai o capataz, de passo firme, com o pacote no sovaco.

Mal refeito da soleira, Edivaldo não esquenta banco.

“Edivaldo, - torna a mandar o chefe, - vai buscar na feira o chá que recomendou compadre Minervino. E que seja do legítimo.” – Lá vai ele, outra vez, em passo rápido, campeando de banca em banca a milagrosa erva.

Já em casa, refestelado na cadeira de braços que mais parece um trono, torna o chefe a mandar.

“Edivaldo, puxa aqui as minhas botas.”

O capataz se aproxima, pega nos bicos e tacões, principia a tirar as gaiteiras.

“Quantos litros de leite deu a vaca Cumbuca?” - pergunta ao capataz.

“25, seu coronel.”

“E a vaca Malhada?”

“35, seu coronel.”

“E a vaca Pedrês?”

“27, seu coronel.”

“Sóóó!!! Diacho! Os meninos hoje não têm o que mamar!” (1)


Brincadeiras à parte, Maciel é uma das pessoas mais informadas sobre sua terra e sua gente, figuras humanas, lugares, bichos, arte, artesanato, histórias, causos, vegetais - não há o que não saiba. É uma enciclopédia viva e ambulante. Em sua casa e no escritório reuniu um acervo de fazer inveja a qualquer pesquisador – livros, discos, fitas, fotografias, folhetos de cordel, revistas, jornais, documentos, recortes. E,além disso, mantém intercâmbio com pessoas e entidades de todo o país. Não lhe bastam os horizontes da cidade e da região. Quer ser um “globe-trotter” nacional via postal. Assim se faz presente em toda parte, levando consigo sua simpática e acolhedora cidade.

É isso que admiro nos nordestinos, a dedicação ao chão natal, que levou Câmara Cascudo a escrever uma de suas mais belas frases: “Não rezo e nem ofereço a intelectual que não tem o pó da terra natal debaixo dos pés da alma.”

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(1) Adaptação de um poema do poeta popular Ascenso Ferreira.



(16 de novembro/2012)
CooJornal nº 813



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC


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