26/10/2012
Ano 16 - Número 810

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Follow RevistaRIOTOTAL on Twitter

Enéas Athanázio



ALTINO FLORES

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Organizado por Moacir Pereira, foi publicado o livro “Altino Flores, Fundador da Associação Catarinense de Imprensa”, em coedição do Instituto Histórico e Geográfico e Editora Insular (Florianópolis – 2010). Trata-se de uma coletânea de trabalhos de vários autores para homenagear uma figura importante da literatura catarinense e que andava esquecida. Pela sua militância como jornalista, professor, crítico literário e homem público, a homenagem é mais que merecida e o livro faz justiça a quem tanto deu de si em favor de nossa cultura.

Altino Corsino da Silva Flores nasceu no arraial das Capoeiras, município de São José, em 4 de fevereiro de 1892. Estudou em diversos colégios, sem, no entanto, concluir o ensino médio, porque, segundo Lauro Junkes, “com a morte do pai, sua família passou por dificuldades econômicas, e a Altino coube trocar os estudos pelo trabalho.” Amante dos livros desde a infância, curioso e observador, amealhou com o passar do tempo sólida cultura, inclusive no domínio da língua, da qual foi sempre apaixonado defensor. Exerceu diversas atividades e ocupou cargos públicos de destaque, quase sempre na área da educação, mas sua vocação maior o conduziu ao magistério e ao jornalismo. Muito escreveu para vários periódicos, fundou jornais e revistas e acabou proprietário do jornal “O Estado”, que recebeu de presente de Vítor Konder, seu grande amigo. Mais tarde venderia o jornal “por falta de tipógrafos.”

Crítico literário corajoso, foi grande polemista e conhecedor dos clássicos da literatura universal. Severo e justo nos seus julgamentos literários, com ele a amizade, o apadrinhamento e o tráfico de influência não funcionavam. Colocava-se como julgador isento e imparcial, como, aliás, deve ser a verdadeira crítica literária, ainda que nem sempre agradasse a muitos. Como ele próprio dizia, ‘sempre nos pareceu mais decente e construtivo por em público a nossa opinião acerca de uma obra literária, do que depreciá-la, à puridade, no decurso de eventuais palestras, muito embora esse menoscabar quase nunca se origine de prevenção pessoal contra o autor, ou vise a gratuita demolição de seu trabalho’ (“Sondagens Literárias”, p. 7). Como escrevi em outra ocasião, ver seu livro analisado por ele, mesmo que com reservas, já engrandecia um autor.

Foi um dos fundadores da Academia Catarinense de Letras (ACL), em 1920, e se dedicou às atividades acadêmicas por cerca de oitenta anos. Em 1932 funda a Associação Catarinense de Imprensa (ACI), da qual foi o primeiro presidente, e que refundaria em 1934, retornando à presidência. É considerado o decano dos jornalistas catarinenses. Nesse mesmo ano funda a Sociedade Protetora dos Animais.

Em 31 de dezembro de 1916 casou-se com Zilda Callado, filha do jornalista Martinho José Callado, e o casal teve cinco filhos: Marília, Noemi, Percival, Ênio e Zita, dos quais só a segunda se encontra entre nós, zelando com carinho pelo acervo do pai. Vítima de dolorosa e pertinaz moléstia, faleceu em 20 de outubro de 1983, aos 91 anos de idade, sem jamais esboçar um queixume pelo longo sofrimento.
O livro se abre com “Imprensa e História Catarinense”, de autoria de Jali Meirinho, seguido de “Associação Catarinense de Imprensa”, esboçando um panorama da época e minuciosa reconstituição da história da ACI desde sua fundação até os tempos atuais, abordando também o Sindicato dos Jornalistas e a Casa do Jornalista. Segue-se o interessante depoimento de Norberto Ungaretti, que conviveu bastante com Altino Flores, recordando vários episódios que revelam um homem de postura e de caráter. Moacir Pereira, por sua vez, recorda a militância crítica do homenageado em comentário ao livro “Textos Críticos”, de Altino Flores, de autoria do então presidente da Academia Catarinense de Letras. Segundo o autor, o livro é resultado “do esforço extraordinário de resgate da obra dos fundadores de Academia”, empreendido pelo saudoso Lauro Junkes. Este mesmo autor faz uma substanciosa síntese biográfica de Altino Flores e Flávio José Cardozo recorda o permanente zelador da língua que ele foi. Em sequência encontramos “Acadêmico Inconsútil”, de autoria de Theobaldo Costa Jamundá, segundo o organizador “um dos trabalhos mais completos sobre Altino Flores.” Péricles Prade e Mário Pereira fecham a parte dedicada aos ensaios, aquele enfatizando o polemista e este o “espírito guerreiro” do homenageado.

O capítulo seguinte contém alguns textos selecionados de Altino Flores, infelizmente poucos, mas que dão ao leitor uma mostra de seu estilo e de seu pensamento. “A literatura como expressão do real”, publicado pela primeira vez aos 24 anos de idade, “O jornal”, datado de 1921, e “Depoimento sobre a atuação em “O Estado”, onde “revela o terror da censura do Estado Novo”, publicado em 1972. Como afirma o organizador, não foi fácil selecionar alguns textos dentro do mar de publicações de Flores ao longo de tantos anos.

Em entrevista com Noemi Flores Boppré, filha de Altino Flores, o organizador Moacir Pereira, através de perguntas bem conduzidas, obtém curiosas informações sobre a vida em família do homenageado, seus hábitos, modo de vida, intimidades e aspectos de sua personalidade. No texto seguinte ele faz um relato da repercussão do falecimento de Altino Flores e seu sepultamento no Cemitério São Francisco de Assis. “Os principais jornais registraram o falecimento. sempre ressaltando a contribuição dada por ele à educação pública, ao jornalismo e à administração do Estado” – afirma o autor do texto.

O volume se fecha com uma cronologia e alguma iconografia, estampando várias fotografias, dentre as quais um grupo de escritores diante da sede do jornal “O Estado” e uma do próprio Flores “no auge de sua produção intelectual.”

Entre as obras de Altino Flores, publicadas em volume, estão: “Pela memória de Renan”, opúsculo, 1923; “O caso Renan e os Processos Episcopais”, idem, idem; “No mundo das coisas pequeninas”, opúsculo, 1924; “Goethe, os Novos e os Velhos”, 1949; “Schiller”, 1959; “Do Sonho à Miséria e à Morte”, 1970, e “Sondagens Literárias”, crítica, 1973. Dessas obras, muitas foram produzidas no calor das polêmicas em que se envolveu. Numerosos trabalhos de sua autoria ficaram espalhados nas páginas de jornais e revistas, não reunidos em volumes.

Creio que “Sondagens Literárias” é o mais substancioso de seus livros e o de maior importância para as letras locais. Contém dez ensaios, alguns breves e outros longos, abordando autores como Gama Rosa, Delminda Silveira, Elisiário Quintanilha, Almeida Coelho, Juvêncio Martins Costa e outros, dedicando os mais longos a dois “novos”, cujas obras acabavam de ser lançadas: Almiro Caldeira e seu romance “Rocamaranha”, e Osvaldo Ferreira de Melo (filho) e sua “Introdução à História da Literatura Catarinense.” Abordou ainda outros temas ligados ao mundo literário, denunciando a preocupação permanente com as coisas que aqui aconteciam no campo das letras. Comentei na imprensa esse livro na época de seu aparecimento.
Só conheci Altino Flores de vista, nos dias acadêmicos, em Florianópolis, mas nunca tive oportunidade de falar com ele, o que muito lamento. Mais tarde ele revelaria apreço pelo meu trabalho e faria diversas demonstrações de simpatia.

Concluindo, diria que o livro é uma bela e merecida homenagem. Sinto prazer em comentá-lo, ainda que com brevidade, esperando contribuir para a divulgação. Organizador, colaboradores e editores merecem parabéns pela iniciativa.

B. Camboriú, 23 de dezembro de 2010

(26 de outubro/2012)
CooJornal nº 810



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC


Direitos Reservados