14/09/2012
Ano 16 - Número 804

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio



NOVELA E CONTOS

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Otto Lara Resende (1922/1992) foi uma figura singular nas letras nacionais. Segundo o crítico Benício de Medeiros, ele “foi um autor que se deixou ofuscar pelo próprio brilho.” E de fato, em Otto conviviam duas pessoas: o frasista, o admirável conversador, o criador de observações mordazes, o amigo de todo mundo e o escritor, autor de novelas, romances e contos de qualidade, sem falar nas milhares de crônicas que escreveu para os jornais. Nessa complicada convivência, o primeiro parece ter engolido o segundo e Otto não produziu a obra que se esperava de seu reconhecido talento. Sua bibliografia é resumida, mesmo considerando que a quantidade, por si só, não baste para consagrar um escritor, ainda mais se não tiver qualidade literária. “O Lado Humano” (contos), “Boca do Inferno” (contos), “O Retrato na Gaveta” (contos), “O Braço Direito” (romance) e “As Pompas do Mundo” (contos) são os livros de sua autoria, além de coletâneas de crônicas.

O frasista, no entanto, nem sempre ficava impune e às vezes se transformava em vítima das troças alheias. O dramaturgo Nélson Rodrigues, seu grande amigo, gostava de colocá-lo como personagem de suas descabeladas ficções e batizou uma de suas mais conhecidas peças teatrais como “Otto Lara Resende ou Bonitinha mas Ordinária.” Conta-se que Otto ficou exasperado ao deparar com seu nome, em letras garrafais, pisca-piscando na fachada de um grande teatro. Nélson também teria aconselhado o escritor a abrir uma “loja de frases”.

Entre as mais conhecidas frases de Otto e que ganharam a boca do povo estão: O mineiro só é solidário no câncer; Política é a arte de enfiar a mão no excremento; O analista é uma comadre bem paga; Devo ter sido o único mineiro que deixou de ser banqueiro; A morte é o clube mais aberto do mundo; A morte é, de tudo na vida, a única coisa absolutamente insubornável; O homem é um animal gratuito; O homem é um animal lotérico; O homem é dramático porque morre; Leio muito. Não sou inteiramente uma besta porque sempre tive insônia; Eu sou o autor de muitos originais e de nenhuma originalidade; Sou versátil, o que é a melhor maneira de nada saber. Sou um jornalista especialista em idéias gerais; Chega de intermediários: Lincoln Gordon para presidente (referia-se ao embaixador americano); A grande contribuição de Minas Gerais para a cultura universal é a tocaia. A tocaia é uma homenagem à vítima. Morre sem aviso prévio, delicadamente, se possível desconhecendo o autor da cilada, etc. etc. Apesar das tiradas impiedosas, Minas o homenageou na principal praça de Belo Horizonte, onde está representado em bronze com os demais que constituíam o grupo dos “4 Cavaleiros do Apocalipse”: Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Hélio Pellegrino e ele próprio.

Com base em votação entre os associados, a Confraria dos Bibliófilos do Brasil (CBB), sediada em Brasília, publicou o volume “Novela e contos de Otto Lara Resende.” É um livro sofisticado, em tamanho grande, com sobrecapa e caixa, contendo uma seleção de histórias curtas e uma rara novela de sua autoria. Os contos, quase todos, são kafkianos, lembrando “O Processo” e “O Castelo”, de Franz Kafka. No primeiro deles, o personagem procura o enterro de um homônimo, cuja notícia leu no jornal, e enfrenta a mais absurda burocracia para chegar ao local do sepultamento. Em outro, o personagem começa esquecendo como fazer o nó da gravata e depois esquece por completo a maneira como dorme. Pergunta então à mulher, de forma insistente, como costuma dormir, deixando-a irritada e depois perplexa. O aparecimento de um gambá na praça, em pleno centro da cidade, provoca verdadeira guerra de todos contra o animal indefeso, até que ele acaba morto a cadeiradas. Tratava-se de uma fêmea e os filhotes se espalham pelo chão. É uma demonstração da brutalidade coletiva imotivada. Mas é na novela que surge o grande personagem, desses que se eternizam na memória. Tibúrcio era o modelo consumado do sovina, aproveitador da miséria alheia e que vivia só porque casar significa dividir e ele não repartia sequer os cabelos. Solitário e rico, vai se tornando o dono da cidade, até que um dia, quando contemplava os baús com sua fortuna, foi vítima da cilada armada pelo acaso e tem a mais trágica, dolorosa e solitária das mortes. É uma história chocante, desenvolvida com técnica de mestre e muito bem escrita. O livro traz ricas ilustrações de Luiz Ventura. (Contatos: Caixa Postal 8 6 3 1 – CEP 70312-970 – DF).


(14 de setembro/2012)
CooJornal nº 804



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC


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