16/03/2012
Ano 15 - Número 778

ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio


O MANIFESTO NHEÇUANO

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Desde que foi fundado o chamado Manifesto Nheçuano, no Rio Grande do Sul, venho participando do movimento, ainda que à distância. Inconformado com as injustiças que vem sofrendo ao longo da história o cacique-pajé Nheçu, líder dos índios guaranis e outras tribos da região missioneira daquele Estado, um grupo de jovens idealistas decidiu iniciar um trabalho de revisão crítica da história regional e procurar recolocar as coisas nos seus devidos lugares. Com o entusiasmo típico dos jovens, Giani, Marco, Júlio e Adriano se puseram em campo e trataram de dar início a esse trabalho ao mesmo tempo justiceiro e renovador que vem movimentando a cidade de Roque Gonzáles e a região lindeira com a Argentina. Enfrentando a descrença de alguns, mas contando com o apoio decidido de outros, fundaram a Associação Cultural Nheçuanos (ACN), publicando um jornal (“O Nheçuano”), mantendo um site na Internet e iniciando um permanente intercâmbio com pessoas interessadas pela causa indigenista em todo o país. Como eu havia escrito um texto sobre o referido cacique, publicado em meu livro “Mundo Índio” (2003), e diversos artigos sobre o tema, fui desde o início um entusiasta do movimento, passei a escrever para o jornal e a manter contato com os integrantes do grupo.

Nheçu, o grande chefe daqueles povos, intuiu que a invasão europeia nos seus domínios teria resultados catastróficos. A chegada daqueles estranhos homens brancos, barbudos e glabros, trajando vestuários esquisitos e impondo novos costumes lhe pareceu desde logo grave ameaça aos índios, sua cultura e a própria existência de sua gente. A situação se agravou quando os brancos começaram a interferir nas práticas imemoriais dos indígenas, impondo novas crenças em substituição às antigas, estabelecendo modos de agir e limitando as atividades de homens e mulheres até então livres, nômades, caçadores e pescadores natos, procurando transformá-los em agricultores e sedentários. Trazendo uma tecnologia adiantada, ferramentas, cavalos e gado de corte, usavam desses recursos em troca da conversão e do apoio de numerosos indígenas que aderiram aos que chegavam, sua religião e suas práticas. As consequências, - como previa Nheçu, - foram desastrosas e alguma coisa precisaria ser feita com urgência para estancar o mal e impedir a destruição do mundo guarani. Em conferências com os caciques menores e os sábios da tribo, o grande cacique se decide pela resistência, usando para tanto dos recursos de que dispunha. E assim, tomada a grave decisão, investem contra os invasores. São derrotados em toda a linha porque não dispunham de armamento capaz de enfrentar os arcabuzes e demais armas mortíferas do colonizador. Segundo alguns, Nheçu teria perecido nas águas do rio e, segundo outros, foi morto pelos bandeirantes. Desde então Nheçu teve sua memória denegrida pela história escrita pelo vencedor. Contra essa visão única e dominante se ergue agora a voz do Manifesto Nheçuano num trabalho revisionista e justiceiro que, aliás, deveria ser realizado em numerosos outros episódios da história nacional.

Todos os anos o grupo realiza na referida cidade um encontro festivo de associados e simpatizantes para debater o assunto e reavivar a cultura missioneira e regional. O III Manifesto Nheçuano, como foi designado o encontro, aconteceu nos dias 11 e 12 de novembro e tive a satisfação de comparecer e participar. Houve um verdadeiro desfile de grupos musicais, músicos, declamadores, poetas, compositores, trovadores e até artistas plásticos. Compareceram, entre outros, Odécio ten Caten, Ivaldino Tasca, Ruy Nedel, Renato Schorr, Antonio Cabrera, Nelson e Inês Hoffmann, os integrantes da diretoria da ACN, autoridades e convidados em geral. Composta a mesa dos debatedores, houve manifestações de vários deles e, no final, me concederam a honra de fazer o encerramento. Foi um evento marcante, contando com considerável presença de público e bem difundido pela mídia regional. Tudo indica que a ACN se consolida e o número de associados só tende a crescer. Já são muitos os simpatizantes de vários pontos do país.


(16 de março/2012)
CooJornal nº 778



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC


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