13/01/2012
Ano 15 - Número 770

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

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Enéas Athanázio


UM PERFIL DO CONSELHEIRO

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Com o centenário do falecimento de Euclides da Cunha, ocorrido em 2008, e a infinidade de matérias que provocou na mídia, a figura de Antônio Conselheiro, líder da Revolta de Canudos, voltou a ser debatida. Apesar de tudo que foi escrito, conclui-se que pouco se sabe a respeito dele, ainda que seja o personagem central de “Os Sertões”, um dos mais importantes livros de nossa literatura. Creio que o sociólogo Clóvis Moura, meu pranteado amigo e grande estudioso da negritude, tinha razão quando afirmava que o Conselheiro estava pedindo um biógrafo.

Mas o que se sabe, afinal, a respeito de Antônio Vicente Mendes Maciel, mais tarde conhecido como Antônio Conselheiro, Santo Antônio dos Mares, Bom Jesus Conselheiro ou, simplesmente, Conselheiro? Compilando autores, colhendo dados daqui e dali, vamos tentar um perfil imperfeito, incompleto e cheio de lacunas. Parece certo que ele entrou em cena, na região de Canudos, no Estado da Bahia, em 1893, vindo de Quixeramobim, no sertão do Ceará, e acompanhado por centenas de sertanejos. Canudos, à margem do rio Vaza-Barris, era um aglomerado de casebres ao redor das ruínas de antiga fazenda, considerado pelos crentes como a Terra da Promissão, “único lugar não contaminado para onde as pessoas deveriam ir para se salvar” – segundo a historiadora Maria Natalina Jardim. Seu nome seria derivado do hábito de fumar cachimbos feitos com pequenos tubos de uma planta regional. Traído pela mulher, o Conselheiro teria se retirado para aquele sertão inóspito, onde ninguém o conhecia, para esquecer as mágoas do passado. “Homem estranho, taciturno e maltratado, segundo a mesma fonte, era versátil e curioso, tendo sido antes comerciante, professor primário, rábula e amansador de cavalos.” Grande conhecedor da Bíblia, fazia citações de memória e aconselhava as pessoas sobre seus problemas, sempre de maneira prática e eficaz. Teria trabalhado por bastante tempo como rábula (advogado provisionado) nos foros de Campo Grande e Ipu, sendo presumível que conhecia rudimentos de Direito, e era considerado bom orador. Seus sermões, proferidos ao entardecer, eram acompanhados por uma multidão de seres maltrapilhos que “pareciam beber suas palavras”, conforme o relato de uma testemunha. Embora tachado muitas vezes de bronco e analfabeto, tudo indica que tais afirmações não tinham fundamento. Considerado louco por alguns, exames minuciosos de seu cérebro, levados a efeito pelo cientista Nina Rodrigues, não revelaram anormalidade alguma.

Por onde passava, o Conselheiro reconstruía cemitérios antigos, reformava açudes contra as secas, construía capelas e restaurava outras, liderando sem esforço grande número de voluntários. Cristão, monarquista e antirrepulicano, não aceitava o casamento civil, a cobrança de impostos e a deposição do Imperador. Foi também abolicionista convicto. Pouco se conhece sobre sua pessoa e os relatos que o pintam vestido com um camisolão azul, cabelos desgrenhados, barbas espessas e inclinado à autoflagelação se devem mais à ficção que à realidade comprovada. É quase sempre descrito como branco, embora seu batistério o registre como pardo, segundo pesquisas do referido Clóvis Moura. Suspeita-se, inclusive, de que o arraial de Canudos fosse um quase quilombo. Segundo um depoente da época, “grande porção de quilombos e mucambeiros formavam em suas hostes e soldados e desertores de diversos Estados e o povo treze de maio é a maior parte.” Líder nato, conduziu a resistência armada com poucas palavras e grande sucesso, obrigando o governo republicano a usar de uma força militar até então jamais igualada para debelar o movimento. O Conselheiro não chegou a testemunhar a queda de seu arraial e o massacre final. Morreu alguns dias antes, foi sepultado em cova rasa e depois exumado para a retirada da cabeça. Entrou na história como chefe de uma das maiores rebeliões populares de todo o mundo.
 

(13 de janeiro/2012)
CooJornal nº 770



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC


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