06/01/2012
Ano 15 - Número 769

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Follow RevistaRIOTOTAL on Twitter

Enéas Athanázio


A PADARIA ESPIRITUAL

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

Muitos grupos literários têm surgido em vários pontos do país. Poucos, porém, tiveram a dimensão da chamada Padaria Espiritual, criada em Fortaleza em 1892 e que se manteve em atividade até 1898. Nascida no Café Java, de propriedade de Manuel Pereira dos Santos, mais conhecido como Mané Coco, no ângulo noroeste da Praça do Ferreira, tinha como figura central Antônio Sales (1868/1940). Poeta, romancista, autor teatral e jornalista, foi o autor do “Programa de Instalação” e do “Retrospecto” da entidade. Embora fosse o Primeiro-Forneiro (secretário), exerceu interinamente o cargo de Padeiro-Mor (presidente). Integravam o grupo vários outros rapazes, quase todos ligados às letras e às artes, que desejavam movimentar a vida cultural da cidade. Entre eles estavam Lívio Barreto, o maior expoente do Simbolismo naquele Estado, Adolfo Caminha, que seria um dos grandes nomes do Naturalismo brasileiro, Rodolfo Teófilo, José Nava, pai do memorialista Pedro Nava, Henrique Jorge, que foi músico e não escritor, Luís Sá, desenhista e pintor, Joaquim Vitoriano, que não era escritor, músico ou pintor mas “entrou no grupo em virtude de sua força física e valentia, sendo uma espécie de guarda-costas dos companheiros”, e vários outros, alguns na primeira e outros na segunda fase da agremiação. Todos os integrantes tinham nomes de guerra e a entidade publicava o jornal “O Pão.” Tornou-se muito conhecida e obteve grande destaque, merecendo referências de escritores de renome. O maior estudioso de sua história, tendências e realizações é o Prof. Sânzio de Azevedo, de cujo livro “Breve História da Padaria Espiritual” (Edições da Universidade Federal do Ceará – UFC, Fortaleza, 2011) nos valemos para estas notas.

A Padaria Espiritual se destacou pela originalidade, pela criatividade e pelo humor. O “Programa de Instalação”, redigido por Antônio Sales, bem o demonstra. Seu objetivo era fornecer pão de espírito aos sócios em particular e aos povos em geral. Todos os sócios se chamavam padeiros. Após a instalação só seria admitido como sócio quem apresentasse uma obra considerada “decente.” O tom oratório foi proibido, sob pena de vaia. As pessoas que fossem objeto de dissertações dos padeiros – sábios, poetas, artistas e literatos – eram chamadas de vitimas. Ficou proibido o uso de palavras estrangeiras, exceto os neologismos do Dr. Castro Lopes, médico que tinha horror dos galicismos e anglicismos. Os padeiros deveriam usar qualquer flor na lapela, exceto chichá, porque tem cheiro insuportável e que lembra esterco. Foi proibida qualquer referência à rosa de Malherbe, que sugere coisa passageira, efêmera, ou escrever nos álbuns de folhas mais ou menos perfumadas das moças. Todo sujeito que atentasse contra o bom senso e o bom gosto artísticos receberia a solene alcunha de – medonho. Seria preferível que os poetas da Padaria expressassem suas ideias em... versos. Fariam um apelo a todos os jornais do mundo (!) para que enviassem suas publicações à biblioteca da Padaria. Eram considerados inimigos naturais da entidade os padres, e, por extensão, as freiras, os alfaiates e a polícia. Padeiro que aparecesse com colarinho de alvura contestável teria o fato registrado. Pena de expulsão sumária seria aplicada ao padeiro que recitasse ao piano. As mulheres, como entes frágeis, mereciam todo o apoio da Padaria, exceto as fumistas, as freiras e as professoras ignorantes. Para completar, a entidade teria correspondentes em todas as capitais dos países civilizados do mundo, escolhendo-se para isso literatos de primeira água. Como observa Sânzio de Azevedo, se ela não chegou a tanto, teve correspondentes como Araripe Júnior, Olavo Bilac, Coelho Neto, Garcia Redondo, Augusto de Lima, Raimundo Correia e Clóvis Beviláqqua. Esses são apenas alguns dos propósitos da Padaria Espiritual, colhidos aqui e ali no seu programa.

Recordou Antônio Sales que a Padaria ficou tão conhecida que onde quer que ele estivesse, no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Minas ou no Rio Grande do Sul, a pergunta foi sempre a mesma: É da Padaria? Tudo isso e muito mais, inclusive o exame da produção dos padeiros, suas tendências ou correntes literárias, suas convicções e atividades, está no delicioso livro já referido, cuja leitura ilustra e diverte.
__________________________
(Endereço do Autor comentado: Rua Leonardo Mota, 10 80
60170-040 – Fortaleza – CE).

 

(06 de janeiro/2012)
CooJornal nº 769



Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC


Direitos Reservados