11/11/2011
Ano 15 - Número 761


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




 SCOTTY


 

Enéas Athanázio, colunista - CooJornal

Era dessa forma que Ernest Hemingway tratava o escritor F. Scott Fitzgerald (1896/1940), num misto de admiração pelo inegável talento e pena pelos rumos desnorteados de sua vida que o levariam ao alcoolismo e à morte precoce. Ambos pertenciam à chamada “geração perdida”, assim batizada pela escritora Gertrude Stein para designar o grupo de intelectuais norte-americanos que se auto-exilaram em Paris nos anos 1920 em busca de realização nas letras e nas artes. Segundo o próprio Scott escreveu, “há uma turma em Paris que não passa de um prolongamento da sociedade americana. As pessoas que se mudam para cá estão conectadas por centenas de fios à terra natal, e suas diversões, excentricidades e altos e baixos são um livro aberto para amigos e parentes...” Mas o grupo, exceto o nome, nada tinha de perdido, tanto que produziu escritores de grande talento, reconhecidos em todo o mundo, dentre os quais Hemingway, John dos Passos, Gertrude Stein e o próprio Scott com seu rosto de menino, padecendo nas mãos de Zelda (Sayre), esposa tirânica que, segundo dizem, tinha inveja do talento do marido e acabou recolhida ao manicômio, vítima de graves distúrbios mentais. Sempre às voltas com problemas domésticos, ele passou a breve existência entre a Europa e os Estados Unidos, falecendo em Hollywood, onde se dedicava à produção de roteiros cinematográficos e já dominado pelo álcool.

Ainda muito jovem, com pouco mais de vinte anos, Scott conquistou renome como romancista e se tornou um sucesso mundial. Seus romances cativaram o público, em especial “O Grande Gatsby” (1925) e “Suave é a Noite” (1934), até hoje publicados e lidos por numerosas pessoas e que o consagraram como o intérprete maior da chamada “era do jazz.” Além de romancista, porém, ele foi um extraordinário contista, aspecto de sua obra muitas vezes esquecido em face do imenso sucesso dos romances. Mostra significativa de suas histórias curtas é o volume “24 Contos de F. Scott Fitzgerald”, publicado pela Cia. das Letras com tradução e prefácio de Ruy Castro (S. Paulo – 2004). Nele se encontram alguns dos melhores contos produzidos por ele ao longo da vida, como “O Diamante do Tamanho do Ritz”, “A Menina do Hotel”, “A Década Perdida”, “Financiando Finnegan” e sobretudo “O Amor à Noite”, um dos melhores contos das letras americanas. Como tem acentuado a crítica, Scott não poupava seus compatriotas americanos. “Nesses contos, ele é implacável no julgamento de seus compatriotas: um bando de rústicos, que só botavam banca no Velho Mundo com sua grossura por causa do poder econômico ...” – escreveu o autor do prefácio (p. 10). E de fato, nos contos acima destacados estão bons exemplos. Em “O Diamante do Tamanho do Ritz” ele ironiza o homem mais rico do mundo tentando subornar o próprio Deus e propicia a ele um fim trágico; em “A Menina do Hotel” descreve a jovem Fifi, modelo de futilidade e esnobismo meio caipira, cujo molde serviria a todas as Fifis ocas que existem, ainda que com outros nomes; “Financiando Finnegan” é a história do escritor falido que, não obstante, vive mordendo o editor com recorrentes promessas de grandes obras em realização; em “A Década Perdida” ressalta o gosto exagerado pelo uísque. Só “O Amor à Noite” é repleto de romantismo e do mais puro sentimento. Todos os demais contos do livro são fascinantes e alguns personagens inesquecíveis.

Em diversas passagens Scott revela preocupação com a perda da juventude e o inexorável envelhecimento. Parecia temer a velhice e nutria permanente premonição de que não viveria muito. Sentia, no íntimo, que teria vida breve e por isso se entregava à escrita com paixão, tomado pela pressa de quem não dispõe de muito tempo. Mas isso não o impediu de realizar uma obra imorredoura.



(11 de novembro/2011)
CooJornal no 761


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

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