30/09/2011
Ano 14 - Número 755


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




UMA ENTREVISTA INTERESSANTE



 

Enéas Athanázio, colunista - CooJornal

Importante revista de cunho cultural (*) publicou substanciosa entrevista do Prof; Alfredo Bosi, conhecido crítico literário, historiador da literatura e professor emérito da USP, além de autor de livros muito conhecidos na área das letras. Depois de meio século de magistério, período em que acompanhou passo a passo nosso desenvolvimento literário, ele resume suas conclusões em respostas objetivas a perguntas bem formuladas. É uma matéria merecedora de leitura e que justifica um comentário.

Entre os vários temas abordados, revela preocupação com os caminhos do ensino da literatura no país por obra dos tecnocratas que abundam em todas as áreas. Segundo ele, o “depois” foi colocado na frente do “antes”, de forma que o aluno estuda os modernos e contemporâneos sem conhecer os anteriores, como se os novos escritores aparecessem por geração espontânea ou brotassem do éter. Ora, cada escritor é produto de um meio para cuja formação contribuíram os autores do passado. Assim, explica o mestre, um Guimarães Rosa só foi possível graças a um Euclides da Cunha, como este só foi possível graças a um José de Alencar e aos outros do passado. Mas como nada pode ser feito para reverter a situação, consola-se ao constatar, ao longo de meio século, que os bons alunos percebem a situação e vão em busca de uma formação mais sólida e completa.

Relata ele que no início de sua carreira ainda existia o “culto” à Semana de Arte Moderna, de 1922, movimento dos jovens que pretendiam revolucionar as letras e artes, sepultando os “passadistas.” Naquele contexto existia a “guerra” declarada entre os seguidores de Mário e de Oswald de Andrade, cada grupo exaltando as virtudes de seu ídolo. Ainda que sem tomar partido nessa contenda, conclui que Mário tinha mais conteúdo e sua obra é mais consistente, em especial na prosa, ao passo que Oswald “era um escritor de lampejos, que dizia coisas geniais no meio de piadas e de comentários sarcásticos”, não poupando a ninguém, nem mesmo ao próprio Mário e aos estudantes de filosofia a quem apelidou de “chatoboys.” Quanto à Semana, afirma que “em si mesma não produziu nada de notável, foi apenas a explosão de jovens cuja finalidade era substituir o parnasianismo e a cultura tradicional por uma cultura de vanguarda.” É difícil avaliar na atualidade o que foi a luta entre modernistas e passadistas, um combate sem tréguas, embora o modernismo esteja hoje incrustado na vida nacional de sorte que ninguém mais estranha suas manifestações e convive em paz com obras de cunho vanguardista. Mais tarde os concretistas descobriram Oswald de Andrade e seus “poemas-minuto”, integrando-o ao movimento. Muitos modernistas só viriam a produzir o melhor de sua obra bem mais tarde, mas é fato que o movimento abriu as portas para uma profunda renovação de nossas letras e artes.

Em relação ao concretismo, surgido em 1956 em meio a intenso debate, afirma que foi um movimento de poetas e críticos, “mas também um projeto de restaurar certos valores e abater outros.” Reconhece, no entanto, o talento de seus corifeus, como Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari, analisando de passagem a obra de cada um. Não concorda, no entanto, com o critério de criar a “paideia”, ou seja, o conjunto de autores que vale a pena ler, inclusive porque pode levar a injustiças e lacunas. O concretismo, depõe o mestre, parece ter exaurido a si mesmo, tanto que José Paulo Paes, referindo-se às diversas publicações do grupo, teria exclamado: “Nossa, mas há trinta anos que eles fazem a mesma revista!” Sua doutrina seria tão rígida e tão fechada “que não dava para evoluir como teoria e, em consequência, eles não se modificaram.” Seja como for, o concretismo conquistou espaço na história literária e conta com poetas em atividade, inclusive neoconcretistas.

Estão aí algumas observações que me ocorrem à leitura da entrevista, um texto que deveria ser lido por quantos se entregam a escrever e, acima de tudo, nas salas de aula. Lendo-o, fico me indagando por que os jornalões e revistas aqui do Estado nunca, jamais, em tempo algum estampam matérias desse quilate. Não sei se subestimam os próprios leitores ou se conformaram com a condição de periféricos em termos culturais. Que tristeza!

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(*) “Revista E”, publicação do SESC/SP, janeiro de 2010, págs. 10 a 14;

 

(30 de setembro/2011)
CooJornal no 755


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

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