23/09/2011
Ano 14 - Número 754


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




ALGUMAS OBRAS DE PÉRICLES PRADE



 

Enéas Athanázio, colunista - CooJornal

Tenho diante de mim diversos livros mais ou menos recentes de Péricles Prade, um dos escritores mais versáteis e profícuos que conheço. Cada um deles, de gênero diferente, mereceria um comentário especial mas, como não é possível no momento, limitar-me-ei a algumas observações que me ocorrem, iniciando pelos contos reunidos em “Correspondências – Narrativas Mínimas” (Editora Movimento – P. Alegre – 20009).

O volume reúne 22 contos, todos curtos e alguns curtíssimos, extremamente econômicos em palavras como, por sinal, anuncia o subtítulo. Abstraídas as considerações de ordem teórica que a obra do contista tem suscitado, dessas que poucos leem e muitos não entendem, o que prevalece nessas narrativas é a surpresa, o inesperado, o estranho, o inusitado. Como regra, o leitor é apanhado de surpresa diante do inverossímil e do desconcertante, embora tudo seja apresentado no mesmo plano, sem que o autor estabeleça limites entre o real e o imaginário, o surreal e o fantástico. Alguns exemplos talvez elucidem melhor o que senti e pretendo dizer.

Em “Rabos de Tigre”, conto muito sintético, surge um tigre branco que, mesmo não sendo o preferido do narrador, tem a singular característica de possuir três rabos. O primeiro rabo é muito fino e delicado; o segundo é muito grosso e indelicado. “O terceiro – conclui – não é muito fino e nem muito grosso. Lembra chicote de couro rústico. Inclina-se ora à esquerda, ora à direita...” E quando o leitor, curioso, se indaga da razão disso, lá vem a resposta desconcertante: “sei o porquê mas não digo” (p. 26).

“Esconderijo” é outro caso típico (pp. 9/12). Nesse conto, que não é dos mais curtos, o contista se superou. Sua imaginação fervilhante não encontrou limites e semeou o texto de detalhes incríveis e insólitos que deram ao tema central, objeto da história em si, um ar dos mais pitorescos. Nele o diabo, depois de infernizar Lutero, vai a uma reunião de apreciadores de bons vinhos. Chega adiantado e se esconde na rolha da garrafa do melhor dos vinhos disponíveis. O Presidente da associação, desrespeitando as regras, “resolve colocar a garrafa entre as pernas, furar a rolha com movimentos fortes e puxá-la de um só golpe.” E então o incrível acontece: “Os degustadores tiveram a impressão de ouvir um grito, mas, como estavam muito, muito alegres, limitaram-se a renovar o brinde, sem perceber, nos resquícios da cortiça, minúsculos filamentos de miolos flutuando no copo.”

O diabo, por sinal, assim como outras figuras abissais, são frequentadores da ficção pradiana. Neste caso, ora aparece travestido de mulher, ora em forma de mosca, ou ainda de jovem e aristocrático enólogo. Todos os contos deste livro vão nessa linha, premiando o leitor com o inusitado das surpresas e desafiando-o sempre a exercitar a imaginação.

Em “Pantera em Movimento – Breves poemas de muito amor” (Letras Contemporâneas – Florianópolis – 2006), Péricles reúne um conjunto de breves poemas que, na verdade, se constituem num só, impregnados de intenso sentido erótico e sensual. São textos muito trabalhados, precisos e instigantes, e que fogem um pouco à temática poética do autor, em geral voltada ao surreal e ao fantástico.

Versando gênero diverso, “”Revoluções Culturais” (Escrituras – S. Paulo – 2004) enfrenta o difícil campo do ensaio relacionado à Filosofia, à Ciência, às Tradições e às Letras. São cinco ensaios bem pensados, pesquisados e esmerados nos quais o autor confirma sua reconhecida erudição e sua admirável versatilidade. São textos que ilustram e instigam, enriquecendo a nossa ensaística que, nestes últimos tempos, anda em baixa.

Por fim, uma palavra sobre “A Pintura de Sílvio Pléticos” (Letras Contemporâneas – Florianópolis – 2010), magnífico livro-álbum em que o escritor, agora no exercício da crítica artística, disseca a obra do conhecido pintor. É um trabalho excelente e que dignifica a ambos.
 

(23 de setembro/2011)
CooJornal no 754


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

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