16/09/2011
Ano 14 - Número 753


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




O EXÍLIO DO POETA



 

Enéas Athanázio, colunista - CooJornal

Demitido da direção do Departamento de Cultura, por artes da velha política miúda, Mário de Andrade entrou em fase de profunda angústia e depressão que o acompanharia até a morte. Numa tentativa de melhorar o estado de ânimo, mudou-se para o Rio de Janeiro, instalando-se no bairro do Catete e lecionando na extinta Universidade do Distrito Federal. Embora tivesse bom círculo de amigos, inclusive entre os jovens, e fosse um professor muito estimado, os anos passados na antiga capital tiveram para ele o sentido de um verdadeiro exílio. Longe dos familiares e do ambiente da morada da rua Lopes Chaves, nada o agradava e sentia a melancólica sensação de “viver no ar.” Mas, enquanto o retorno não acontecia, tratou de estudar, escrever, trocar uma infinidade de cartas com amigos e realizar uma análise retrospectiva de sua própria obra e dos resultados alcançados pelo Movimento Modernista, do qual foi o grande líder e inspirador. Em ambos os casos seu julgamento foi rigoroso e o levou a conclusões negativas.

É dessa fase da vida do poeta e suas atividades no período que trata o livro “Mário de Andrade – A morte do Poeta”, de autoria de Eduardo Jardim (Civilização Brasileira – Rio – 2005). Livro denso e pesquisado, tem como autor um dos grandes conhecedores do assunto e discute com segurança o pensamento do poeta, homem de grande inteligência e admirável cultura. Avaliando o Modernismo, Mário examinava seus resultados sob três critérios: o direito permanente à pesquisa estética, a conquista de uma consciência criadora nacional e a atualização da inteligência artística brasileira.

Quanto ao primeiro critério, não resta dúvida de que o Modernismo triunfou. Conseguiu libertar os artistas de regras rígidas então vigentes e permitiu novas experiências criativas. Hoje ninguém se rebela contra um poema livre, uma tela modernista, uma arquitetura inovadora. Pode-se afirmar mesmo que a partir de 1922 todos vivemos em contato diário com obras modernistas deste ou daquele gênero. Em relação ao segundo critério, o movimento também venceu. O Modernismo, em sua evolução, levou os artistas a olharem para a nossa realidade, explorando as coisas nacionais, sem continuar copiando o que vinha de fora. Houve um “processo nacionalizador”, tanto que hoje ninguém questiona o caráter nacional de nossas artes, em especial da literatura. Surgiu um acentuado interesse pelo folclore, pelos regionalismos, pelos ciclos econômicos e pelo modo de vida brasileiro. Com referência ao terceiro critério, porém, Mário de Andrade duvidava de seu sucesso. Para ele, o Modernismo havia sido apolítico, no sentido de se ausentar das grandes questões nacionais e produziu uma obra inatual. Em conseqüência, o conjunto das obras produzidas seria discutível, inclusive a dele próprio, com a qual se declarava insatisfeito. “É melancólico chegar assim no crepúsculo, sem contar com a solidariedade de si mesmo – dizia ele. – Eu não posso estar satisfeito de mim...” (p. 101). Isso depois de realizar uma obra volumosa e importante, nos mais diversos gêneros, e que provocou verdadeira revolução na cultura nacional. Apesar do rigor do julgamento, no entanto, o Movimento Modernista foi um dos mais influentes acontecimentos de nossa história e contribuiu de forma decisiva para a formação do Brasil de hoje.
 

(16 de setembro/2011)
CooJornal no 753


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

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