09/09/2011
Ano 14 - Número 752


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




MERECIDO RESGATE



 

Enéas Athanázio, colunista - CooJornal

Em boa hora o advogado e professor Nelson Câmara, depois de intensa e meticulosa pesquisa, deu a público o interessante livro “O Advogado dos Escravos – Luiz Gama” (Editora Lettera.doc – S. Paulo – 2010) em que resgata a figura de um dos mais importantes abolicionistas de nossa história. Trata-se de um ensaio biográfico e analítico da obra de Luiz Gonzaga Pinto da Gama (1830/1882) que dedicou toda a vida à defesa dos escravos e de outros infelizes que lutavam pela liberdade. Amparando-se em escassa legislação e nos princípios gerais do Direito, batalhou sem cansaço e com invulgar coragem, sem objetivos pecuniários, pela libertação dos cativos, afrontando o poderio dos senhores e riscos de toda espécie.
Filho de uma escrava revolucionária, Luiza Mahin, envolvida em movimentos libertários na Bahia e no Rio de Janeiro, Luiz Gama nasceu em Salvador. Aos dez anos de idade foi vendido como escravo pelo próprio pai, cujo nome jamais declinava, e trazido para São Paulo. Com grande esforço acabou obtendo a alforria e tentou cursar a Faculdade de Direito, de onde foi expulso pelos estudantes, ofendidos pela presença de um negro nos bancos acadêmicos. Mas não se deixou abater, entregou-se aos estudos e amealhou notável cultura jurídica e humanística. Como advogado provisionado, deu início a uma luta sem trégua contra a escravidão, desenvolvida no foro, no jornalismo, nos embates políticos e na maçonaria. Formou ao lado de outros jovens abolicionistas que comungavam do mesmo ideal, como Rui Barbosa, Castro Alves, Joaquim Nabuco e Raul Pompeia. Foi o único a permanecer na Pauliceia, onde implantou sua fortaleza na modesta residência onde vivia e dali sustentou uma luta que perdurou pela vida inteira. Manejou com extraordinária habilidade os textos legais então vigentes, muitos deles contraditórios e tendenciosos, quase sempre descumpridos pelos senhores de escravos, obtendo admiráveis resultados.

Fez do hábeas corpus remédio eficaz na defesa dos escravos presos ilegal ou injustamente e dos que permaneciam escravizados mesmo depois de libertados por força de lei. E nisso teve que superar os óbices existentes nos textos legislativos. Segundo estes, o hábeas corpus só poderia ser concedido a cidadãos e não se estendia ao escravo, considerado uma coisa (res) ou simples peça. No entanto, sustentava um jurista da época, Deus não fez distinção entre os homens e, portanto, o hábeas corpus deveria proteger tanto homens livres como cativos. E assim, através de inteligentes construções doutrinárias, o advogado dos escravos obtinha nos juízos e tribunais a libertação de incontáveis infelizes. Além disso, defendia-os nos processos criminais, inclusive no júri, arquitetando teses que sacudiam o foro e alarmavam os empedernidos escravagistas. Dizia mesmo, em alto e bom som, que todo escravo que matava seu senhor, em qualquer circunstância, estava agindo em legítima defesa. Posições assim arrojadas lhe valeram processos em que exerceu com êxito sua própria defesa. Em artigos de jornal, não poupava os magistrados tolerantes ou tendenciosos que resistiam à exata aplicação da lei. E nessa luta incansável consumiu a existência, falecendo seis anos antes da Abolição, sem que visse raiar o sol da liberdade para todos os negros seus irmãos.

Baseado em exaustiva pesquisa, o livro aborda todas as facetas de Luiz Gama, focalizando a odisséia do garoto vendido como escravo, sua formação e sua vida como homem livre, a obra poética, a longa atividade jornalística, a batalha árdua como defensor dos escravos, a morte e as incontáveis homenagens póstumas. Reproduz diversas medidas patrocinadas pelo advogado, resgatadas de velhos arquivos, transcrevendo as petições e demais peças. É rico em documentos, fotos, bicos-de-pena e vasta bibliografia. Trata-se, enfim, de uma obra que constitui, ao mesmo tempo, revelação para novos e velhos leitores e belíssima homenagem a quem tanto a mereceu.
            (Editora Lettera.doc – Rua 7 de Abril, 2 3 5 -
            Conj. 3 0 4 – CEP 01043-000 – S. Paulo)

 

(09 de setembro/2011)
CooJornal no 752


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

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