26/08/2011
Ano 14 - Número 750


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




RECEITA DE BEM VIVER



 

Enéas Athanázio, colunista - CooJornal

Graças à gentileza do amigo Trajano Pereira da Silva, recebi um livro que é verdadeira raridade (*). Trata-se do penúltimo volume que integra a coleção das memórias de Gilberto Amado, considerado dos maiores memorialistas brasileiros de todos os tempos, só igualado por Humberto de Campos e Pedro Nava. Nesse volume há o capítulo denominado Maturidade que constitui verdadeiro guia ou receita de bem viver. Escrito quando o autor atingia o apogeu de sua capacidade intelectual, depois de superados os graves problemas com que se deparou, ele medita sobre o passado e sobre a maneira como fruir a vida com tranquilidade e paz de espírito. Gilberto Amado amou a vida como poucos e em sua longa existência sempre soube aproveitar tudo de bom que ela lhe concedia. O segredo, dizia ele, é rechear o minuto, nunca permitindo que o tempo o esvazie. Tinha o chamado sentimento lúdico da vida. Muitas de suas reflexões sobre esse tema estão no capítulo referido.

Em primeiro lugar – escreveu ele – “cabeça e coração devem se entender bem. Nada de contradições separando-nos ou quebrando-nos em pedaços soltos. Nenhum complexo ou recalque.” Desde muito cedo, continua, “preparava-me para suportar a dor, amenizá-la quanto possível, não dramatizar o acontecido, encadear o inesperado na corrente do cotidiano.” A dramatização dos fatos, em especial dos negativos, parece ser uma constante no ser humano. E com isso o mal acontecido se avulta, ganha dimensões dramáticas, muitas vezes acima da gravidade real. “Minha primeira obrigação a meu respeito – declarou – era não deixar o sofrimento me subjugar. Para isso penso que muito me serviu o estudo, o exame das causas das coisas, a boa literatura que explica sem explicar, mostrando só.”

Mais adiante, explica como enfrentar com equilíbrio o ruim e o bom de cada dia. “Naturalmente cada hora me trazia uma pena, cada dia o seu aborrecimento. Se viver não é fácil, conviver é o diabo. Mas quem pensa que o seu mal é único, engrandece-se por falta de imaginação. Seu mal é de muitos. Não há sofrimento inédito, nem original. Quase tudo é plágio, réplica, reprodução, imitação.” Os remédios para enfrentar o negativo são simples e práticos. Diz o escritor: “Uma manhã de praia me forra para o dia todo contra o que vier de desagradável depois. É preciso não esquecer, na hora do aborrecimento, o prazer fruído momentos antes, guardá-lo bem no paladar para que a boca possa receber sem engulho o mau bocado que há de vir.” Mais além, outra observação interessante: “Não sou dos que levam jornal ou livro para ler deitado na areia. Considero isso um absurdo. A praia é do corpo e daquela parte do espírito que ajuda o corpo a aproveitar a praia.” Gilberto foi praiano convicto e exímio nadador.

O homem moderno, sempre atarefado, não contempla mais a natureza. Ele, porém, se conservou fiel “ao namoro habitual com as coisas amanhecentes” e de sua janela contemplava o espetáculo que é o nascer de cada novo dia. Depois de várias observações a respeito da invasão das praias pelas multidões, do telefone, “esse estuprador do silêncio”, e da barulheira infernal dos tempos modernos, conclui: “O homem de quem Deus gosta é o de carne e osso, tanto que não lhe ressuscita apenas a razão mas o corpo todo. Prazer usufruído nos ajuda a compensar com a lembrança dele o desprazer superveniente.”

_________________________________
(*) “Presença da Política”, Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1ª. Edição, 1958, págs. 303 a 314.
 

(26 de agosto/2011)
CooJornal no 750


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

Direitos Reservados