19/08/2011
Ano 14 - Número 749


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




REESCREVENDO A HISTÓRIA



 

Enéas Athanázio, colunista - CooJornal

A história é escrita pelos vencedores. A versão por eles sustentada é aquela que se difunde até que, passados os tempos, alguma revisão crítica se imponha e a realidade dos fatos acabe aparecendo. Muitos acontecimentos da história nacional e personagens brasileiros, em especial depois de 1964, estão sendo submetidos a criteriosas revisões através de pesquisas para recolocar as coisas nos devidos lugares. É claro que as novas versões, ainda que sejam as verdadeiras, nem sempre conseguem substituir aquelas que foram criadas pelos mais variados motivos.

Dentre as figuras que vêm sendo estudadas com cuidado e que assumem outra imagem, muito diferente daquela que foi divulgada com insistência, está o ex-presidente João Goulart, mais conhecido como Jango, que foi deposto em 1º. de abril daquele fatídico ano. Professor da UERJ e incansável pesquisador do assunto na Fundação Getúlio Vargas, Oswaldo Munteal, em ensaio publicado por importante revista cultural (*), afirma que Jango foi um dos políticos mais estereotipados do país, e que “algumas vezes é visto como um governante inocente e, outras, como um salvador da pátria.” Segundo ele, a verdadeira personalidade que emerge das pesquisas não é e nunca pretendeu ser nem uma coisa e nem outra, tanto que enxergou muito longe no futuro e tinha nítida consciência de que contrariava a elite nacional, conservadora e apegada ao extremo aos próprios privilégios. Não obstante, prosseguiu no seu intento de realizar as chamadas “reformas de base”, acreditando numa sociedade mais justa e progressista, e correndo todos os riscos inerentes a essa cruzada, inclusive do próprio assassinato, como se suspeita que ocorreu, em 1976. Tudo indica que ele estava farto de palavrório e decidiu que era chegado o momento de passar à ação.

Entre as pretendidas reformas estavam a agrária e a fiscal, taxando as grandes fortunas e limitando as remessas de lucros para o exterior, o que tocou nos pontos mais sensíveis do latifúndio e do poderoso empresariado, inclusive multinacional. Para completar, ele se preocupava com seriedade com a questão educacional no país, pretendendo adotar métodos inovadores e com isso esbarrando na verdadeira indústria que sempre foi o ensino particular no país. Estavam lançadas as bases para sua rejeição, criando-se o clima propício ao golpe. E os pretextos para isso não faltaram, inclusive a afirmação de que Jango era comunista e que pretendia implantar um regime sindicalista, duas hipóteses que a farta documentação a respeito repele. E se isso não bastasse, a Constituição Federal de 1946, fruto do repúdio à ditadura anterior, não fornecia ao presidente da República meios de defesa do estado democrático de direito. Tramavam às claras contra ele, à luz do dia, sem que o governo tivesse meios legais para detê-los. Carlos Lacerda, Magalhães Pinto e Adhemar de Barros pregavam a deposição do governo com a maior liberdade, inclusive se movimentando pelo país na trama subversiva. Tiveram em Jânio Quadros um aliado rancoroso e maligno, como demonstrou em momento crucial, renunciando quando Jango se encontrava do outro lado do mundo, em missão oficial, agindo em nome dele, presidente. Por ironia da história, Lacerda, Adhemar e Jânio acabariam cassados pelo regime que ajudaram a implantar. Salvou-se Magalhães porque estava em estado vegetativo. Esqueceram um princípio sempre repetido da Ciência Política: os processos políticos podem ser provocados mas, uma vez deflagrados, é impossível controlá-los. Todos acabaram morrendo no ostracismo, havendo suspeitas de que Lacerda também foi assassinado.

Como se vê dessa rápida abordagem, muitas páginas da moderna história nacional ainda clamam por revisão e inúmeras situações terão que ser acomodadas à verdade histórica.
_______________________________
(*) “Leituras da História”, Número 21, 2009, pp. 8 a 13.

 

(19 de agosto/2011)
CooJornal no 749


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

Direitos Reservados