08/07/2011
Ano 14 - Número 743


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




O SUPLÍCIO DA FEIÚRA




 

Enéas Athanázio, colunista - CooJornal

Embora pedindo perdão às feias, Vinicius de Moraes dizia que a beleza é fundamental. Ainda que eu acredite que a feiúra relativa seja tolerável, quando chega ao extremo ela parece provocar mal estar à própria pessoa e àquelas que a cercam. Estas ideias me ocorrem após a leitura de “Uma enteada da natureza”, conto de Gertrud Gross-Hering, escrito em alemão, publicado em volume em coedição Edufsc/Cultura em Movimento, com tradução, pesquisa, introdução, bibliografia e notas de Lia Carmen Puff (2000). A publicação visava divulgar a literatura brasileira em língua germânica produzida em nosso Estado.

Publicado pela primeira vez em São Paulo, em jornal de língua germânica, o conto relata a mudança de uma família alemã para Blumenau, trazendo em sua companhia a criada Kathrin, pessoa de rara fealdade e que disso tinha aguda consciência. A autora a descreve sem meias palavras, dizendo: “O que se lhe apresentava era uma visão terrível: cabelos parcos, vermelhos, cor de fogo, em fiapos arrepiados em torno de uma cabeça feia e de formato muito grande, da qual as orelhas se sobressaíam como duas colheres. Um rosto sardento, largo, chato, e com os olhos mirolhos, uma boca grande, como se fosse uma fenda, e o mais feio: um nariz tão achatado, que se poderia duvidar de sua existência...” (pp. 50/51). Não bastasse isso, “a saia curta e surrada deixava à mostra grandes remendos coloridos, os pés nus estavam enfiados em grandes tamancos” (p. 49). Tomada de compaixão, mesmo contrariando os filhos, a patroa concorda em trazê-la e a criada se compromete a não se intrometer com a família durante a viagem. Com efeito, em toda a longa travessia de navio se mantém isolada num canto, escondida, sem falar com ninguém, exceto com um marinheiro que ruma para a Argentina. Entre os dois a autora anota apenas um ligeiro toque, embora mais tarde se saiba que mantiveram relações, tanto que a pobre Kathrin dá à luz uma filha, já no Brasil. Essa relação mais íntima, no entanto, nem sequer é sugerida, não havendo qualquer colorido de transição narrativa. Com o surpreendente nascimento da criança, vem à tona o imenso temor da mãe de que ela se parecesse com ela na extrema feiúra. Ao que tudo indica, porém, e para geral alívio, a menina puxara ao pai.

O conto é bem escrito, em linguagem suave e clara, ainda que sejam abundantes os advérbios em mente, encontrados em quantidade em todas as páginas, empobrecendo o texto. Como anotou García Márquez, esse é “um vício empobrecedor da linguagem” e que precisa ser evitado. Não posso afirmar que o cacoete esteja no texto original ou se provém da tradução, mas ele também está presente nas notas explicativas redigidas pela tradutora. O volume foi enriquecido com informações biográficas da autora, as obras editadas, notas sobre a realidade social, cultural e histórica da região na época, as análises críticas a que foi submetida a obra da autora, os bastidores da tradução, com suas técnicas e dificuldades, e a bibliografia. O livro surgiu como resultado de uma dissertação de mestrado apresentada pela tradutora em 1995 e “buscava chamar a atenção do público sobre as obras dessa escritora, já que sua produção literária se encontra praticamente desconhecida” – conforme as palavras da tradutora (p. 9). Objetivo louvável, retirando do ostracismo uma autora de obra bastante volumosa através deste livro que é um documento imperecível de parte do que se produziu em língua alemã na literatura de nosso Estado.
 

             (Editora Cultura em Movimento – Caixa Postal 4 2 5 – BLUMENAU – SC).
              PS – O livro em comento me foi oferecido pelo caro amigo Desembargador Orli Ataíde Rodrigues, a quem agradeço.


(08 de julho/2011)
CooJornal no 743


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

Direitos Reservados