01/07/2011
Ano 14 - Número 742


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




LIVROS REVELADORES




 

Enéas Athanázio, colunista - CooJornal

É interessante notar que existe um permanente interesse pelos livros sobre a II Guerra Mundial, em especial os que contêm memórias ou biografias de pessoas envolvidas de alguma forma no grande conflito ou que foram vítimas dele. É muito bom que assim aconteça porque muitas atrocidades cometidas naquela época não podem e nem devem ser esquecidas para que sirvam de exemplo e nunca mais aconteçam. Dois livros recentes, contendo as reminiscências de vítimas da guerra vêm merecendo boa acolhida dos leitores e despertando crescente curiosidade. São eles “A História de Eva”, de autoria de Eva Schloss, com a participação de Evelyn Julia Kent (Editora Record – Rio – 2010) e “Adeus, Stálin!”, de autoria de Irene Popow (Editora Objetiva – Rio – 2010), ambos relatando os inacreditáveis padecimentos sofridos pelas autoras, familiares e amigos. São obras produzidas sem pretensões literárias mas que prendem o leitor pela documentação minuciosa de um período negro da história humana, relatando os mais imaginosos expedientes para tentar sobreviver até o final da guerra e encontrar o difícil caminho da salvação.

Ambas as autoras, muito jovens na época, se tornaram refugiadas e perambularam pelos campos de concentração mais rigorosos e desumanos, embora por razões diferentes. Eva Schloss, judia austríaca, fugiu com os pais do país natal após a invasão nazista e foi para a Holanda. Lá, depois de algum tempo como clandestina, foi traída e presa, passando a viver nos abomináveis campos até ser libertada pelos soviéticos. Sobrevivendo nas mais inacreditáveis condições, fez um longo périplo pela Europa até retornar à Holanda, já libertada, e depois à residência eleita como definitiva. O pai e o irmão não lograram sobreviver e desapareceram. Afirma ela que, uma vez libertada, mereceu dos russos o melhor e mais respeitoso tratamento, tanto dos soldados, muito moços e fanáticos admiradores de Stálin, como das autoridades em geral. Irene Popow se tornou foragida por outros motivos. Nascida na Ucrânia, integrava a população de origem eslava que os nazistas desejavam exterminar e pela qual nutriam absoluto desprezo. Eram do “ost” (leste em alemão), letras que tinham que usar pregadas às vestimentas. Como seu pai recusou a repatriação passou a ser considerado traidor pelos soviéticos, de forma que, ao escapar do jugo alemão, viu-se obrigado a fugir dos russos. E assim, fugindo, desaparecendo, escondendo-se, com fome e sede, doente e ferido, acabou por chegar à Inglaterra, com a família, e depois ao Brasil, onde a autora vive até hoje e exerce a profissão de psicanalista. Por razões diferentes, ambas absurdas e destituídas de sentido, as duas escritoras se irmanaram no sofrimento, em plena adolescência. Sobreviveram e retomaram a vida graças a uma extraordinária fortaleza de espírito. Pelo que passaram, poucas pessoas conservariam a razão.

O livro de Irene Popow constitui, em certa medida, um libelo contra Stálin, ainda que ela reconheça algumas conquistas daquele período. Recorda e relata o terrível genocídio praticado contra os “kuláks”, classe social que deveria ser liquidada porque resistia à coletivização das terras. Nesse holocausto ucraniano teriam perecido milhões de pessoas, fato em geral pouco divulgado e desconhecido do grande público. Com razão, ela lamenta que acontecimento tão grave da história contemporânea não venha merecendo a devida atenção, inclusive dos historiadores. Muitos outros aspectos do período stalinista são por ela abordados, assim como episódios da história da Ucrânia, muito curiosos e em geral desconhecidos. Criado entre poloneses e ucranianos, no norte de nosso Estado, sempre observei que estes últimos não aceitavam ser equiparados aos poloneses. E com toda razão porque a Ucrânia tem muito mais semelhança com a Rússia que com a Polônia. Não é por acaso que Ucrânia significa “Pequena Rússia.” O livro de Irene Popow é muito rico em informações históricas, sobre a vida das pessoas no dia-a-dia soviético e, mais tarde, nos ignóbeis campos de concentração. Muitas comparações com o Brasil são feitas ao longo do relato.

Quanto a Eva Schloss, depois de tanta humilhação, tristeza e sofrimento, confessa com todas as letras: “Apesar do que me aconteceu durante a guerra, não tenho sentimentos de amargura ou ódio, mas, por outro lado, não acredito na bondade do homem.” Em sã consciência, teria ela razões para acreditar? É uma conclusão dura mas, diante das circunstâncias, só merece respeito.

Livros como esses deveriam ser lidos por quantos amam a paz e acreditam na fraternidade universal e, acima de tudo, pelos inocentes úteis que andam a glorificar ditadores através da Internet.


(01 de julho/2011)
CooJornal no 742


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

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