02/04/2011
Ano 14 - Número 729


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




O MUNDO DE GUIMARÃES ROSA


 

Enéas Athanázio, colunista - CooJornal

Sempre que leio a relação de livros mais vendidos, fico intrigado com a constante ausência de autores brasileiros entre eles, salvo um ou outro. Fico me perguntando se nós, brasileiros, não gostamos de nosso país e de nós mesmos, retratados na literatura, ou não acreditamos uns nos outros. E não se trata de questão de qualidade, uma vez que o Brasil tem excelente literatura, elogiada como tal pela crítica mais categorizada, e os mais vendidos muitas vezes são de má qualidade ou de qualidade discutível, além de perderem muito com traduções pouco confiáveis. Fico intrigado ao constatar, por exemplo, que Guimarães Rosa, um dos maiores ficcionistas mundiais, nunca integra a lista dos mais vendidos. Digo isso ainda sob a impressão da releitura de “Grande Sertão: Veredas”, que empreendi após o retorno de uma viagem a Minas e que descortinou diante de mim o mundo imenso que é esse romance.

A galeria de personagens de Guimarães Rosa é imensa, revelando imaginação sem limite e afinado senso de observação. E são curiosos, insólitos, instigantes e até engraçados. Jisé Simpilício, Pedro Pindó, compadre meu Quelemém, a rezadeira Izina Calanga, Antônio Dó, o delegado profissional Jazevedão, Joãozinho Bem-Bem são alguns com os quais o leitor topa logo nas primeiras páginas, sem falar no Hermógenes, Medeiro Vaz, Joca Ramiro, Zé Bebelo e Diadorim, personagens centrais que estarão em cena até o fim. Como o sertão é vasto, permitindo andanças de léguas sem avistar vivente, as situações e os eventos em que essas figuras se envolvem impressionam e intrigam.

Assim, por exemplo, o referido Jisé Simpilício tem um capeta em casa, miúdo satanazim, preso obrigado em toda ganância que executa. Com a ajuda do diabinho, está em vias de completar de rico. A besta só nega de banda quando ele quer montar, não deixando. Ora, que diabinho será esse? Seria, por acaso, o saci-pererê que, segundo o folclore, pode ser preso numa garrafa? Mas tudo indica que não porque saci é pequeno e não poderia, portanto, ser montado. Está aí o mistério deixado à imaginação do leitor.

Mais adiante, cercado numa fazenda pelo bando do Hermógenes, o grupo de Zé Bebelo, ou José Rebelo Adro Antunes, cidadão e candidato, perde vários homens e os cavalos são chacinados. Ele manda Riobaldo Urutú-Branco, ex-Tatarana, escrever ao juiz e promotor, denunciando a presença dos jagunços. Seria traição? Quando a polícia chega e ataca os jagunços por trás, os cercados conseguem fugir e Riobaldo entende a esperteza do chefe. Mesmo assim, porém, Zé Bebelo é deposto da chefia e Riobaldo assume o comando. Qual teria sido o motivo? Erro de estratégia, colocando o bando em risco? É outro mistério que fica no ar.



(02 de abril/2011)
CooJornal no 729


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

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