28/08/2010
Ano 13 - Número 699


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




ÀS MARGENS DO SENA



 

Enéas Athanázio, colunista - CooJornal

Para quem passou a vida entrevistando os outros, nada mais apropriado que relatar a história de sua própria existência através de longa entrevista. Foi o que fez o jornalista Reali Jr., no livro “Às margens do Sena” (Ediouro Publicações – Rio – 2007), em depoimento a Gianni Carta, cientista político e mestre em relações internacionais. Em prolongadas e pacientes reuniões, respondendo a intermináveis questionários que preencheram 15 fitas cassete de 90 minutos cada uma, o conhecido jornalista relembrou sua longa e movimentada carreira, iniciada em São Paulo aos 16 anos de idade e culminando na função de correspondente em Paris do jornal “O Estado de S. Paulo” e da rádio “Jovem Pan”, onde se encontra há 35 anos. Filho de um delegado de polícia, não tardou muito a perceber que estava na mira da repressão durante o regime autoritário e tratou de buscar ares mais sadios, iniciando-se então a fase internacional de sua carreira, acompanhando desde Paris o que acontecia no Brasil e no mundo, dando cobertura a inúmeros fatos relevantes da história contemporânea em vários pontos do globo.

Em tão longa carreira, tudo fez em jornalismo. Fez a cobertura de esportes, acompanhou as atividades legislativas e de governos e o panorama político em todos os níveis. Conviveu e entrevistou personalidades como Prestes Maia, Jânio Quadros, Adhemar de Barros e tantos outros, além de conhecer inumeráveis pessoas, inclusive dos bastidores, como o célebre “Dr. Ruy”, na verdade a notória amante de Adhemar de Barros e que mandava e desmandava na administração paulista. Cobriu passo a passo o golpe militar de 1964 e acompanhou a implantação dos governos autoritários, a edição dos atos de exceção, as cassações e o rol de arbitrariedades posteriores. No cenário internacional, já baseado às margens do Sena, cobriu a Revolução dos Cravos, que deu fim ao salazarismo, em Portugal, a morte de Franco e o fim da ditadura na Espanha, acompanhou a comitiva do presidente francês Giscard D’Estaing à URSS, fez reportagens na Alemanha, na Romênia, na Hungria e na Polônia, ainda nos tempos do império soviético, acompanhando a inauguração do Sindicato Solidariedade, acompanhou a caravana de Maluf, então prefeito paulistano, ao Iraque em plena guerra com o Irã, acompanhou o julgamento do oficial nazista Klaus Barbie, em Lyon, condenado à prisão perpétua e muitas outras. Não regateia elogios aos políticos sérios e que admirava, como Celso Furtado, em primeiro lugar, Leonel Brizola. João Goulart e, entre os mais antigos, Lucas Nogueira Garcez. Também enaltece grandes jornalistas de sua admiração, como Cláudio Abramo, Mino Carta, Fernando Vieira de Mello, Mauro Guimarães e Samuel Wainer, este último uma espécie de unanimidade na classe. Também provocou impacto ao revelar o astronômico aluguel pago pelo Itamaraty pelo apartamento do embaixador na França, Josué Montello, célebre escritor, e não poderia fugir à regra de receber furibundos ataques de Carlos Lacerda. As agruras de um correspondente estrangeiro, os bastidores da política nacional e internacional, o jogo de forças, o choque de interesses, a incansável movimentação dos políticos, diplomatas e empresários, tudo é abordado pelo jornalista que lança o olhar arguto sobre o mundo e percebe aquilo que as pessoas em geral não notam. Há ainda o lado pitoresco da vida parisiense, o contato com os brasileiros, inclusive muitos exilados, o relacionamento com os moradores da cidade, a boa comida e os vinhos refinados. É, enfim, o depoimento de um homem vivido e que tem muitos fatos curiosos a relatar.


(28 de agosto/2010)
CooJornal no 699


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

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