17/07/2010
Ano 13 - Número 693


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




PROTUBERANTES BELDROEGAS



 

Enéas Athanázio, colunista - CooJornal

Em “O Luzeiro Agrícola”, um de seus mais criativos contos, Monteiro Lobato narra a história de Sizenando, poeta de basta cabeleira, ar nostálgico e total magreza. O cultivo das musas, porém, nada lhe rendia, a não ser os murmúrios malévolos de que passava fome, em parte verdadeiros. E de fato, poucas vezes fazia uma refeição decente e vivia a extorquir trocados dos amigos para o cigarro do vício e o pão da boca. Até que um dia, cansado do jejum forçado e da contemplação à lua, tomou a sábia decisão de arranjar emprego público, mesmo que demissível. Munindo-se de toda coragem, subiu ao Morro da Graça, onde residia o todo-poderoso Pinheiro Machado, mandão da política na época. O homem o mirou de cima a baixo e perguntou: “E você, menino, o que quer?” Meio tremelique, Sizenando respondeu que pleiteava a função de inspetor. “Inspetor de quarteirão?” – indagou Pinheiro. “Não – gaguejou o poeta, - quero ser inspetor agrícola... ou avícola...” O manda-chuvas coçou a cabeça, analisou a figura, e perguntou o que ele fazia: “Fui poeta – gemeu o moço, - cultivei as musas mas as colheitas foram sáfaras, vítimas das piores pragas, em especial dos editores e livreiros. Agora pretendo cultivar plantas ou criar pintos. Plantas que rimem com a natureza e pintos que piem em sustenido...” Como poeta – pensou Pinheiro – ele deve ter cultivado batatas gramaticais, cavalgado Pégaso em pelo, varado os campos da imaginação. Com certeza só conhece feijão no prato, leitão à pururuca, mal distingue um zebu de um galo e um cavalo pampa de um rosilho. Por via das dúvidas, pode ser um gênio incompreendido e não queria ser acusado de obtuso pela posteridade. “Está bem – trovejou o todo-poderoso, - você fica, está nomeado inspetor do vigésimo distrito, a setecentos “bagos” por mês...”

Feliz da vida, Sizenando se apresentou ao ministro da Agricultura, no dia seguinte. A autoridade coçou a cabeça: que maçada o Pinheiro me arranja! Onde colocar esse estrupício? O novo funcionário, nervoso, esperava ordens. O homem pensou, pensou, e por fim decidiu: “Pois você me faça um relatório completo!” Apanhado de surpresa, Sizenando levou um susto, e indagou o que deveria relatar. “Faça um relatório sobre a beldroega, por exemplo...” – sugeriu o chefe, já interessado em outros assuntos.

Incrédulo, o novo inspetor foi para casa e durante dois anos pesquisou o “Papalvum brasiliensis”, vulgo beldroega, sua aparência, história, origem, utilidade, propriedades, valor medicinal e econômico, tudo, enfim. Descobriu até as protuberantes beldroegas que haviam estudado o relevante tema. Produziu um relatório inteiriço, para além das trezentas páginas, com linguagem castiça, imagens poéticas, pronomes no lugar certo e ilustrações. Feita a última revisão, levou-o à Imprensa Oficial, de onde saiu em forma de um imenso volume, em papel de lei, impressão em várias cores e encadernação de luxo. Uma obra-prima, na forma e no conteúdo! Feliz da vida, com o volume sob o braço, apresentou-se ao ministro. Ele, porém, não lembrava mais do caso, mas examinou surpreso o calhamaço e o devolveu ao autor. “E agora, ministro, que faço?” - indagou Sizenando, apreensivo. A autoridade pensou, pensou, e sugeriu: “Mande levar tudo à Casa da Moeda e incinerar no alto forno. Para economizar carreto, que vá direto da Imprensa para lá. Afinal, para que servem essas publicações do governo a não ser para movimentar aquele forno?” Deu-lhe as costas e foi cuidar dos altos destinos da nacionalidade.
Tomadas as providências, Sizenando requereu seis meses de licença. Afinal, ninguém é de ferro...


(17 de julho/2010)
CooJornal no 693


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

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