03/07/2010
Ano 13 - Número 691


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




‘LA CASA VIOLA’



 

Enéas Athanázio, colunista - CooJornal

Tenho diante de mim um livro primoroso, tanto na apresentação como no conteúdo. Foi-me oferecido pelo autor, meu “amigo escrito” Marco Scalabrino, que ainda não conheço em pessoa, residente na histórica e pitoresca cidade de Trapani, capital da província homônima, na Sicília, cujas raízes afundam nos séculos e que testemunhou importantes eventos registrados pelos historiadores, além de conservar precioso patrimônio arquitetônico e cultural. Refiro-me ao volume “La Casa Viola” (A Casa Violeta), publicado pelas Edizioni del Calatino neste ano de 2010. É uma antologia de poemas que reúne produções mais recentes do autor, escritas originalmente em dialeto siciliano e com traduções, no mesmo volume, para o português, o corso, o francês, o inglês, o escocês, o espanhol e o italiano. A tradução ao português coube a Nelson Hoffmann, Adelaide Petters Lessa, também bons amigos, e a Alba Olmi, enquanto a versão ao italiano coube a Enzo Bonventre, esse igualmente um bom “amigo escrito.” Como se vê, o livro é um deleite tanto para os amantes da boa poesia como para os poliglotas. Estudioso do dialeto e da poesia sicilianos, o autor presta com este livro mais um bom serviço à difusão da literatura de sua terra. O livro se abre com excelente prefácio de Flora Restivo que é autêntico ensaio interpretativo da poesia do vate siciliano (pp. 9 a 27).

Os poemas de Scalabrino são, em geral, curtos, com poucas exceções. São enxutos, econômicos de palavras, embora elas sejam escolhidas com absoluta precisão para que expressem com total fidelidade o pensamento do poeta. Embora à primeira vista possam indicar uma poesia sem grandes nuances, isso é ilusório porque a leitura revela que não lhe falta nada, está perfeita e acabada. O efeito produzido no leitor é imediato, às vezes cortante como um látego, às vezes chocante, surpreendente, inspirador, levando-o a experimentar as mais inesperadas sensações. Como escreveu Nelson Hoffmann, em comentário a livro anterior, “é uma poesia de poucas palavras, mas palavras carregadas, viscerais, contundentes. Elas não tocam, apalpam, acariciam; elas batem, ferem machucam...” (p. 93). Ninguém poderia dizer melhor, faço minhas as suas palavras.

Vejamos alguns exemplos, começando por “Sabão número 5”: “Uma perpendicular de números/ 1939/ 1940/ 1941/ 1942/ 1943/ 1944/ 1945/ marcada a fogo na carne/ da História” (p. 44). Seria necessário dizer mais? Quem não sente todo o horror contido em tão parcas palavras? Outro: “Ladrão – Roubar uma xícara do tempo./ E permanecer/ LADRÃO/ por toda a eternidade.” (p. 57). Para encerrar, o poema-título: “A Casa Violeta – Habito/ uma casa/ com narinas violetas./ Inquilinos/ à prova/ de cola de amido./ E raios/ e trovões/ no terraço.” (p. 30). Entre outros, são impressionantes os poemas “Você voltou” (p. 49), “Estrondo” (p. 71) e “O choque do silêncio” (p. 78). Para mim, são os pontos mais altos do livro e cada releitura traz novas sugestões.

Marco Scalabrino é autor de outros livros, dentre os quais “Canzuna di Vita, di Morti, D’Amuri”, vertido ao português por Nelson Hoffmann e que mereceu a melhor acolhida por aqui quando de seu lançamento (2006). Também tem realizado traduções de obras de outros autores para o siciliano e escrito ensaios sobre temas de seu interesse cultural. É, enfim, um poeta merecedor de atenção e leitura pelos brasileiros aficionados da poesia. (Endereço para contato: Via Gen. A. Cascino, 4 – Trapani – Itália).

_______________________________

Já que falo em poetas, apraz-me registrar o ensaio “Cruz e Sousa e a teoria do verso”, de autoria do crítico e professor da Universidade do Ceará, Sânzio de Azevedo, publicado na Coleção Mapa do Museu Arquivo da Poesia Manuscrita, de Florianópolis. Nesse denso e erudito ensaio o autor penetra em profundidade na poética do grande simbolista e esquadrinha as minúcias de seus versos à luz das teorias literárias em que é mestre. É um pequeno-grande ensaio de apenas 41 páginas, mas é de tirar o fôlego!



(03 de julho/2010)
CooJornal no 691


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

Direitos Reservados