22/05/2010
Ano 13 - Número 685


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




CABEZA DE VACA



 

Enéas Athanázio, colunista - CooJornal

Figura muito ligada à nossa história, o “adelantado” espanhol Álvar Núñez Cabeza de Vaca é pouco conhecido entre nós. Paulo Markun, no entanto, jornalista paulistano que hoje reside em Florianópolis, acaba de trazer minuciosas e metódicas informações a respeito da vida e das aventuras desse fidalgo espanhol que foi o primeiro governador de Santa Catarina. Depois de dez anos às voltas com o complexo tema, pesquisando aqui e no exterior, rebuscando todas as fontes possíveis, publicou o livro “Cabeza de Vaca” (Cia. das Letras – S. Paulo – 2009), em que descreve as vivências e as incríveis aventuras desse personagem, rastreando passo a passo os seus dias até o presumível desaparecimento na cidade natal de Jerez de la Frontera, na Espanha, aos 70 ou 71 anos de idade. O livro é bem documentado e ilustrado, trazendo inclusive um mapa que registra as andanças do personagem pelas Américas, do Norte e do Sul. Preenche uma lacuna história, uma vez que Cabeza de Vaca é muito citado pelos historiadores mas um relato assim minucioso, pelo que me consta, não existia.

Duas foram as expedições de Cabeza de Vaca às Américas. A primeira se dirigiu à região da Flórida, onde viveu as mais incríveis aventuras em meio aos indígenas, só sobrevivendo graças à sorte e às astúcias de que lançou mão. A segunda, mais tarde, foi à América do Sul, já na condição de governador da Província do Rio da Prata. Partindo de Florianópolis, onde parece que não permaneceu por muito tempo, enveredou pelas selvas do Paraná e foi a Assunção, então a capital da Província. Dali partiu em novas expedições, embrenhando-se pelo interior, sempre em busca da lendária Serra de Prata, que nunca logrou encontrar. Superando os mais variados obstáculos, desde naufrágios, motins de oficiais e soldados, ataques dos gentios, doenças e outras calamidades, tomou algumas providências que provocaram grande desagrado. Em consequência, vítima da velha política, acabou deposto do cargo de governador, preso e acorrentado, até ser recambiado para a Espanha, onde foi submetido a processo sob as mais diversas e disparatadas acusações. Depois dos tortuosos trâmites legais, acabou condenado, embora a sentença fosse abrandada pela instância superior. Permaneceram as determinações de pagar as dívidas contraídas após o retorno à Europa e “limpar o próprio nome.” Desde então, alquebrado e pobre, desaparece no anonimato, sendo muito discutíveis as versões existentes sobre essa última fase de sua vida.

Na chegada, tendo passado pela ilha de São Francisco do Sul, a expedição de Cabeza de Vaca aportou na ilha de Santa Catarina. Ali ele determinou que seu escrivão lesse a “capitulação” assinada pelo imperador e mandou erguer uma cruz na praia, “deixando claro que a antiga Meiembipe enfim tinha dono” (p. 147). Depois a expedição se transferiu para o ponto conhecido como passagem pequena, que “ao que tudo indica coincide com o local hoje conhecido como Estreito, onde ficam as pontes que ligam a ilha ao continente” (p. 149). Dali as incursões exploratórias partiam em várias direções e tinha início sua tormentosa experiência como governador que seria deposto por um verdadeiro golpe.

O livro de Markun contém mais evidências de que a América sofreu verdadeira invasão dos europeus, conforme sustentam os modernos historiadores, contrariando as costumeiras louvações de antes. Com a leitura solene do documento denominado “requerimento”, os habitantes da terra eram instados a aceitar a vassalagem ao rei e adotar o credo católico, sob pena de justificar atos de guerra, ou seja, a morte (págs. 107, 151, 192 etc.). Diga-se, porém, em favor do primeiro governador, que ele foi sempre contrário à escravidão e aos maus tratos a indígenas, pelo menos é o que reitera seu secretário nas anotações sobre a expedição.


(22 de maio/2010)
CooJornal no 685


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

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