10/04/2010
Ano 13 - Número 679


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




ABANDONADA NO CAMPO DE CENTEIO (2)



 

Depois do primeiro encontro com J. D. Salinger, a quem chama de Jerry, Joyce Maynard passa um fim-de-semana com ele. Os encontros se sucedem e o escritor a convence a morar em sua companhia na isolada chácara de Cornish.

Apaixonada, a moça não vacila. Abandona o curso na Universidade de Yale, o emprego no jornal, a carreira promissora, o conforto do apartamento. Enfrenta a incompreensão dos amigos e a decepção dos pais consternados. Dá as costas ao mundo e vai morar com o escritor recluso.

A vida na chácara é monótona. Resume-se a caminhadas pelas colinas, raras saídas para o essencial, leituras, escritos, música e televisão. Salinger só recebe o casal de filhos e a faxineira. Ninguém mais penetra naquele tugúrio.

O verdadeiro Salinger, muito diferente do mito, não tarda a se revelar. É rude e seco, jamais ri ou, ao menos, sorri. Crítico impiedoso de tudo que ela faz ou escreve, é um rabugento que não gosta de nada e de ninguém. Tranca-se no quarto por horas a fio, sem falar ou comer. Odeia o mundo, as pessoas, os jornalistas e os médicos. Homeopata convicto, só se trata com suas bolinhas e aguinhas; vegetariano fanático, só come o que ele próprio planta em sua horta. Nutre olímpico desprezo pelo mundo que palpita para além das placas de sua chácara: “Não ultrapasse!”

Os dias naquela casa achatada são pesados e lerdos. Tudo que faz parece compor o plano para moldar a moça a seu gosto, tornando-a o lado feminino dele próprio. Sempre apaixonada, Joyce Maynard a tudo se submete, disposta ao sacrifício em troca do amor daquele homem ríspido mas genial. E assim decorre um ano.

Mas vai que um dia, quando estavam numa praia, Salinger a expulsa. Com a voz fria de sempre, sem revelar qualquer emoção, ele lhe entrega as chaves da casa e decreta: “Apanhe suas coisas e vá embora!”

Assim, sem explicação ou motivo, faces retesadas e olhos fuzilantes, profere o veredito sem apelação. Os pedidos de explicação pelo telefone ou por carta nunca obtiveram resposta. Na única visita que lhe fez depois, Salinger a recebeu de forma gélida e proferiu apenas quatro palavras: “Você ama o mundo!” Nessa ocasião o escritor já vivia com outra moça, parece que conquistada através de cartas simpáticas e encorajadoras.

Arrasada, Joyce volta para a mãe e luta pela retomada da vida. Retorna ao “New York Times”, escreve para jornais, revistas, rádio e teatro. Encontra novos amores, casa-se e tem filhos. Publica livros, entre eles “Abandonada no Campo de Centeio”, onde relata o sofrido caso de amor com J. D. Salinger (Geração Editorial – S. Paulo – 1999), cujo sucesso se repete em todo o mundo. Para saber mais, só lendo o livro.
(Transcrito do livro “Crônicas Andarilhas” para relembrar J. D. Salinger, falecido em 27 de janeiro de 2010, aos 91 anos de idade, e sua impressionante obra).


(10 de abril/2010)
CooJornal no 679


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

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