03/04/2010
Ano 13 - Número 678


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




ABANDONADA NO CAMPO DE CENTEIO (1)



 

Depois de ter feito extraordinário sucesso, em especial com o romance “O Apanhador no Campo de Centeio”, o escritor norte-americano J. D. Salinger (Jerome David Salinger) rompeu com o mundo e passou a viver em reclusão numa espécie de chácara, em Cornish, New Hampshire. Numa casa baixa, cercada de mato e entre colinas, ele passa seus dias enfurnado, às voltas com escritos e leituras. No começo ainda saía para o essencial, mas hoje nem sequer se mostra. Placas com a inscrição “Não ultrapasse!” foram colocadas nas divisas do terreno, afastando curiosos e jornalistas. Estes últimos, - odiados por ele, - chegam a acampar nas proximidades na vã esperança de vê-lo e fotografá-lo. Inútil: o ermitão não aparece. Esse comportamento insólito fez dele uma das maiores curiosidades americanas, sobre quem surgem sem cessar histórias e boatos. Tem fãs fanáticos e críticos impiedosos de todos os gêneros.

Enquanto isso, em outro lugar do país, uma jovem escritora se formava, alheia à questão Salinger: Joyce Maynard. Curiosa e criativa, escreve artigos e crônicas, até que um ensaio de sua autoria é publicado na revista do “New York Times”, com ampla foto da autora na capa (23 de abril de 1972). “Uma jovem de 18 anos relembra sua vida” era o título. Nele analisava a vida e os sonhos de uma moça naquela fase, que a autora julgava valerem para as americanas de sua geração em geral. O memorialismo precoce da ensaísta, quase menina, teve imediata repercussão e provocou grande interesse. Começa a receber convites para entrevistas, palestras, artigos, crônicas e cartas, cartas, cartas aos montões. Torna-se celebridade aos 18 anos de idade.

Até que um dia, entre tantas cartas, vem uma assinada por J. D. Salinger, o ermitão. Elogiosa, simpática, encorajadora, dava conselhos à nova escritora, recomendando-lhe fidelidade aos seus princípios e sinceridade na arte literária. Cativada pela atenção do escritor talentoso, célebre e rico, ela responde e a troca de cartas se intensifica, passando depois aos telefonemas.

Ele é 35 anos mais velho e misterioso, mas o fato é que ela se descobre apaixonada. Os telefonemas são quase diários, as cartas não cessam. Trocam opiniões críticas sobre literatura, arte, cinema, música, autores, atores, gostos. E confidências, muitas confidências.

Acontece, então, o primeiro encontro. Com o coração aos pulos e as pernas bambas, ela se depara com o solitário de Cornish. Quem a recebe é um homem alto, de uma magreza total, faces enrugadas e cabelos grisalhos. É sério e fala pouco, numa voz tranquila e suave. Tem 53 anos de idade.

Assim tem início um dos romances mais discutidos nos meios literários de todo o mundo.

(Extraído do livro “Crônicas Andarilhas” e publicado em homenagem à memória de J. D. Salinger, falecido em 27 de janeiro de 2010, aos 91 anos de idade).



(03 de abril/2010)
CooJornal no 678


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

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