27/03/2010
Ano 13 - Número 677


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




 
QUEM FOI SEYMOUR?


 

Escritor célebre em todo o mundo, ainda mais após a publicação do romance “O Apanhador no Campo de Centeio”, J. D. Salinger (Jerome David Salinger), é um homem controvertido e uma das maiores curiosidades da vida literária norte-americana. Tem fãs fanáticos e críticos impiedosos. Muito rico, por volta dos 50 anos de idade passou a viver recluso numa chácara situada na localidade de Cornish, New Hampshire, em cujas divisas mandou colocar tabuletas proibindo a entrada de qualquer pessoa, salvo aquelas que autoriza de forma expressa. No início ainda saía para fazer na rua o indispensável; depois, aos poucos, cortou as saídas e nem sequer aparece. Isso o transformou numa permanente curiosidade e alguns jornalistas até acampam às margens de sua propriedade na vã esperança de fotografá-lo ou, pelo menos, avistá-lo. Mas o ermitão não se mostra. Odeia jornalistas, é vegetariano convicto e não confia em médicos. Só usa remédios homeopáticos e consome verduras por ele próprio produzidas. Durante a II Guerra Mundial serviu como sargento, época em que manteve vários contatos com Ernest Hemingway.

Em 1999 Salinger foi assíduo personagem da mídia. Nesse ano foi publicado o livro “Abandonada no Campo de Centeio”, de autoria de Joyce Maynard, em que ela relata as peripécias do período em que viveu com o escritor em sua desolada chácara. Jornalista e escritora, ela fazia sucesso com os trabalhos que publicava e que lhe valiam inúmeras cartas, entre elas uma de Salinger. Simpático e insinuante, ele a estimulava a prosseguir e assim teve início a tormentosa convivência dos dois. Ela retrata um homem rude, autoritário, que quase não falava e passava os dias enfurnado num quarto, às voltas com livros e escritos, sempre preocupado em fugir de tudo e de todos. Até que um dia, sem qualquer explicação, ele a expulsou de casa. “Apanhe suas coisas e vá embora!” – teria dito, de forma categórica. Apesar de inúmeras tentativas, Joyce nunca mereceu uma explicação e na única vez em que voltou à chácara percebeu que o escritor já vivia com outra moça. O livro se transformou em “best-seller” mundial, traduzido e lançado inclusive no Brasil, e renovou a curiosidade geral a respeito da estranha figura, provocando também intensa procura de suas obras.

Graças aos esforços da L&PM Editores, em tradução do diplomata Jorio Dauster, o leitor brasileiro tem acesso a duas novelas de Salinger reunidas num mesmo volume: “Carpinteiros, levantem bem alto a cumeeira!” e “Seymour, uma apresentação” (Porto Alegre – 2007). Em ambas o personagem principal é Seymour, irmão mais velho do narrador, embora ele próprio nunca apareça e seja evocado apenas pelas memórias entusiásticas do irmão. Com alguns pendores de vidente (a pronúncia de seu nome lembra “see more”= ver mais), Seymour era um extraordinário poeta, dedicado aos haicais e à filosofia oriental, exímio desportista e de rara inteligência, sempre superando a todos nas atividades em que se envolvia desde garoto. Não obstante, suicidou-se aos 31 anos de idade, deixando uma grande lacuna, mas sempre presente nas lembranças e na incontida admiração do irmão. É um dos principais personagens de Salinger, aparecendo também em outros contos de sua autoria.

Para quem gosta de textos densos e trabalhados, repletos de ideias e pensamentos, as novelas são uma bela escolha. Exigem leitura vagarosa e meditada, absorvendo com calma a riqueza da imaginação de um dos mais famosos escritores americanos modernos.

PS – Depois de escrito este artigo chegou a notícia do falecimento de J. D. Salinger, no dia 27 de janeiro de 2010, quarta-feira, aos 91 anos de idade.



(27 de março/2010)
CooJornal no 677


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

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