20/03/2010
Ano 13 - Número 676


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




 

TRINDADE DESFALCADA





 

A trindade maior da crítica literária nacional, composta por Antonio Candido, Wilson Martins e Fábio Lucas, acaba de ser desfalcada. É que faleceu, no dia 30 de janeiro (2010), o escritor Wilson Martins, aos 88 anos de idade, um dos últimos remanescentes da chamada crítica de jornal, na qual militou sem cessar até o fim de seus dias. Nascido em São Paulo e radicado em Curitiba, foi professor da Universidade Federal do Paraná e depois da Universidade de Nova York, pela qual se aposentou em 1992. Fiz a ele uma visita, há alguns anos, ocasião em que me recebeu com muita simpatia no amplo apartamento em que vivia, à Avenida João Gualberto, na capital paranaense. Fiquei chocado, naquela ocasião, com a solidão em que o encontrei. Tratando-se de escritor célebre, crítico de primeira linha e autor de impressionante obra, imaginei que permanecia cercado de leitores e admiradores. Ele próprio confessou que visitas como a minha eram raras. Ainda com aquela impressão, escrevi um artigo a respeito, tendo ele me enviado um cartão nos seguintes termos: “Caro EA: Muito me sensibilizou o seu artigo sobre o meu “refúgio” de Curitiba. Fazendo, embora, a parte de sua generosa simpatia, nele encontro o estímulo para continuar. . . “refugiado.” Abraços, Wilson Martins.” Com o correr dos tempos, entendi os motivos da solidão. Crítico implacável, acostumado a falar com franqueza, era um “dissonante” que às vezes chegava “à truculência verbal e ao destempero”, como anotou Alcir Pécora. Não perdoava, acima de tudo, os que escreviam sobre temas que não dominavam. Natural, portanto, que colecionasse um rol de inimigos.

Wilson Martins foi o autor de uma obra monumental, avultando a “História da Inteligência Brasileira”, em sete alentados volumes, na qual realizou uma espécie de balanço de toda a cultura nacional desde o início. Trabalho enciclopédico, custa a crer fosse realizado por uma só pessoa, ainda que detentora das melhores fontes. Escreveu também “A Crítica Literária no Brasil”, em dois imensos volumes, nos quais realizou um levantamento inédito de todos os críticos nacionais com suas épocas, posições e linhas. Tive a satisfação de me encontrar entre os resenhados no livro, tanto na bibliografia, onde aparecem dois livros meus, como no quadro cronológico, onde ele me integrou à linha histórica, como autor de biografias de Monteiro Lobato e Godofredo Rangel (Vol. II, anos de 1975 e 1977 e pág. 1041). Merecem destaque ainda “A Palavra Escrita”, contendo a história do livro, da imprensa e da biblioteca, que recebi dele próprio com simpática dedicatória, e “O Modernismo”, ensaio que constitui referência inarredável sobre o tema, sem falar em outros tantos livros, opúsculos, separatas, ensaios e inumeráveis artigos publicados na imprensa. Wilson Martins foi o único crítico que teve a coragem de apoiar Joaquim Inojosa na prolongada polêmica sobre o chamado “Manifesto Modernista de 1926”, envolvendo Gilberto Freyre. Por outro lado, considerava Monteiro Lobato e Darcy Ribeiro escritores supervalorizados pela crítica, com o que nunca concordei. Mas, em compensação, valorizou escritores pouco creditados pela crítica, como o referido Joaquim Inojosa e Henrique L. Alves, ambos meus inesquecíveis e estimados amigos.

Apreciando meu livro sobre Godofredo Rangel, em dois artigos sucessivos, não poupou críticas ao escritor mineiro, ainda que não me atacasse. Poupou o biógrafo, não o biografado. Relendo o que ele escreveu a respeito, fica-me a impressão de que não conhecia toda a obra de Rangel. Leu apenas o livro de estreia (“Vida Ociosa”), não gostou e nele fundou o julgamento. Mas a crítica dele teve um efeito negativo e dificultou a difusão da obra de Rangel, o mais azarado escritor brasileiro.
Com a perda de Wilson Martins a cultura nacional empobrece e mais ainda a nossa literatura. Ainda que não fosse apreciado pelos chamados críticos universitários, todos bebiam em sua obra as informações seguras de que necessitavam. Muitos repetiam em aula o que haviam aprendido em suas obras sem ao menos citar a fonte.



(20 de março/2010)
CooJornal no 676


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

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