20/02/2010
Ano 13 - Número 672


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




 

EÇA NA CABEÇA E OEIRAS NO CORAÇÃO




 


Dagoberto Carvalho Júnior é, sem favor, um dos maiores conhecedores da obra e da vida de Eça de Queiroz ou, como ele, prefere, do inigualável romancista português e sua circunstância. Autor de vários livros a respeito do escritor, além de conferências, no Brasil e em Portugal, prefácios, ensaios e incontáveis artigos, está publicando agora nova obra sob o título de “Eça de Queiroz e Machado de Assis – O realismo de cada um” (Editorial Tormes – Recife – 2009). Nele o incansável pesquisador reuniu conferências, discursos, prefácios e artigos abordando, em sua maioria, o “pobre homem de Póvoa do Varzim”, objeto de suas permanentes preocupações de especialista, esse ser bastante rarefeito entre nós, buscando desvendar as minúcias e os motivos que o levaram a produzir uma obra de tal magnitude e que exerceu imensa influência, tanto aqui como em Portugal. Nascido em Oeiras, no Estado do Piauí, embora recifensizado, Dagoberto Carvalho Júnior parece unir dentro de si ambas as cidades de Oeiras, a lusa e a nossa, sempre tão presentes em suas lembranças e escritos. Daí ter alguém afirmado, com justa razão, que ele vive com Eça na cabeça e Oeiras no coração.

Muito haveria que falar sobre o novo livro mas prefiro me ater ao admirável ensaio que lhe deu título. Lembra ele, logo de início, um fato deveras curioso e em geral desconhecido: Eça entrou no Brasil através da pequena cidade de Goiana, no interior de Pernambuco, em 1872. Foi lá que chegou a revista “As Farpas”, crônica mensal da política, das letras e dos costumes, editada por Eça e Ramalho Ortigão, em cujas páginas eram formuladas críticas ao Imperador brasileiro, então em viagem pela Europa. Essas críticas repercutiram na pequena cidade, que vivia um momento de efervescência cultural, e foram transcritas em jornal republicano local. Nessa época a chamada Escola do Recife, movimento de cunho cultural e jurídico, liderada pelo grande Tobias Barreto, agitava a intelectualidade nacional. E assim teve início a difusão da obra de Eça pelo Brasil, onde encontrou incontáveis admiradores. Em conseqüência, Recife se tornou a mais eciana das cidades brasileiras.

Tópico dos mais interessantes, abordado pelo ensaísta, é a quantidade admirável de vocábulos e expressos introduzidos por Eça na língua portuguesa, hoje comuns na linguagem corrente. Entre muitos outros, com base na palavra insuspeita dos pesquisadores, aponta: faiscação, badalação, verborréia, insinuância, obtusidade, rigideza, degringolar, cuspilhar, embasbacar, burocratizar, pacientar, politicote, excessozinho, mesmice, padraria, gordalhufo, bigodoso, conselheiral, venha de lá esse abraço, de arromba, sossega leão etc. etc., muitos deles já dicionarizados. Eça estava consciente de sua contribuição – afirma o ensaísta.

A influência de Eça sobre autores brasileiros foi intensa e o autor examina diversos casos. Nenhum intelectual surgido após o início do Século XX ficou imune a essa influência, segundo os intérpretes da cultura nacional.

Eça e Machado foram realistas, cada qual a seu modo, tendo a escola sido introduzida pelo primeiro em Portugal e, por consequência, no Brasil. Eles “travaram um diálogo em que se opunham dois temperamentos, duas concepções da vida e da arte... Claro, plástico, expansivo, o talento de Eça se derrama a mancheias pelos grandes painéis que são seus livros... Já os livros do nosso Machado, tecidos de sutilezas e minúcias, mais ricos de sugestões que de descrições, requerem iniciações para serem completamente apreciados” – escreve Carvalho Jr. (p. 25). E após outras análises sobre o realismo de cada um, arremata: “Bendito realismo que os fez grandes para glória maior das literaturas de língua portuguesa” (p. 30).
Fazendo minhas tão justas palavras, encerro estas notas registrando minha admiração pelo trabalho de Dagoberto Carvalho Jr. Sei de experiência própria o quanto é árdua e trabalhosa a elaboração de ensaios e o quanto de dedicação, pesquisa e pensamento ela exige.


(20 de fevereiro/2010)
CooJornal no 672


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

Direitos Reservados