15/08/2009
Ano 12 - Número 645


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




HEMINGWAY E SUAS HISTÓRIAS



 

Ernest Hemingway (1899/1961) foi um “causeur” admirável e suas histórias encantavam os amigos que sempre o cercavam, sequiosos por ouvirem os relatos do Velho Hem. Essas histórias, por inverossímeis e absurdas que fossem, eram sempre contadas com seriedade, sem que esboçasse sequer um sorriso, intrigando os ouvintes admirados de sua inesgotável criatividade. Só relatava histórias que não seriam aproveitadas em sua ficção, nunca aquelas que integrariam os enredos de seus contos e romances. É por isso que se costuma afirmar que ele deixou uma outra obra, oral e paralela, nunca recolhida aos livros.

Muitos desses casos foram anotados por seus biógrafos e mais tarde divulgados. A. E. Hotchner, amigo íntimo do escritor e que com ele conviveu na última fase da vida, tornando-se depois um de seus melhores biógrafos, registrou algumas dessas histórias.

Segundo ele, havia um enorme urso negro que costumava sentar-se no meio da estrada, impedindo a passagem e atemorizando as pessoas. Sabedor do fato, Hemingway teria se dirigido ao local e passado tremenda descompostura no urso, criticando sua conduta inconveniente e que poderia, inclusive, provocar uma tragédia. Para geral surpresa, o animal baixou a cabeça, retirando-se do local e penetrando na floresta. Dali em diante, ao avistar algum carro, o urso se escondia atrás das árvores, tremelicando de medo, temeroso de que nele estivesse o escritor. Indagado a respeito, Hemingway asseverou que havia aprendido a falar com animais, em especial com ursos e leões.

Relata o mesmo autor que Hemingway muito apreciava certo bar de Nova York. Mas aconteceu que um ex-pugilista peso médio deu para aparecer no local tangendo pela corda um grande leão. Embora o animal fosse manso, não rugindo ou grunhindo, costumava sujar o local, provocando náuseas nos frequentadores e mau cheiro no ambiente. Diante disso, o proprietário do bar pediu ao pugilista que não levasse mais o leão ao seu bar, mas ele não atendeu e no dia seguinte lá apareceu com ele. Quando o leão sujou outra vez o soalho, Hemingway não se conteve. “Eu me aproximei, agarrei o pugilista, carreguei-o para fora e joguei-o na rua. Depois voltei, agarrei o leão pela juba e o pus para fora daqui. Já na calçada, o leão lançou-me um olhar, mas afastou-se quietamente” – arrematou o próprio escritor.

Em outra ocasião, relatou ele que nos tempos em que fora correspondente de guerra havia um escritor de “renome” que costumava furtar suas histórias “tão rapidamente quanto eu as escrevia, mudar os nomes dos personagens e dos lugares e vendê-las por mais dinheiro do que eu obtinha. Mas encontrei uma maneira de detê-lo. Deixei de escrever por dois anos, e o filho da mãe morreu de fome.”

Nos tempos difíceis que viveu em Paris, habitando minúsculo apartamento sobre uma serraria, a comida nas panelas era fraca – contava ele. Gostava muito do Jardim de Luxemburgo porque “nos dias em que a panela do jantar se achava absolutamente vazia de conteúdo, eu colocava Bumby (o filho), que tinha então cerca de um ano de idade, no carrinho de bebê e levava-o a passear no Jardim. Havia sempre, lá, um gendarme em serviço, mas eu sabia que, ali pelas quatro horas, ele costumava ir tomar um copo de vinho num bar situado do outro lado do parque. Era então que eu aparecia com Mr. Bumby – e um punhado de milho para os pombos. Sentava-me a um banco, em meu disfarce de amante apaixonado de pombos, e examinava o bando, para ver qual era o mais gordo e tinha os olhos mais vivos. Uma vez feita a minha escolha, era simples atrair a vítima com o milho, agarrá-la, torcer-lhe o pescoço e metê-la sob o cobertor de Mr. Bumby.” E, muito sério, concluía: “O Luxemburgo sempre foi famoso pela excelência de seus pombos...”

Em outra ocasião, relata o biógrafo Milt Machlin, um soldado de seu batalhão de “provisórios”, indagou porque ele, com tantos serviços prestados e tanta idade nunca passara de capitão. (Na verdade nem militar ele era). Para espanto geral, respondeu: “É que não pude ser promovido porque não sei ler nem escrever....”

São uns poucos exemplos da conhecida obra oral e paralela de Ernest Hemingway.



 
(15 de agosto/2009)
CooJornal no 645


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

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