25/07/2009
Ano 12 - Número 642


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




O VELHO HEM



 

Muitos autores, à medida que o tempo passa, vão caindo no esquecimento e suas obras pouco são lembradas. Outros, ao contrário, enfrentam incólumes o correr dos anos e são cada vez mais estudados e discutidos. É claro que isso se deve, antes de tudo, à excepcional qualidade da obra, embora outro componente me pareça importante: a personalidade do autor, seu carisma pessoal e a simpatia que desperta nos leitores. Este, sem dúvida, é o caso do escritor norte-americano Ernest Hemingway, cuja obra é analisada por estudiosos de todos os cantos do mundo e tem a vida investigada nos mínimos detalhes, submetida a autêntico inquérito em que tudo é pesado, medido, vasculhado. E se isso não bastasse, existem os eternos imitadores, os clubes de sósias, as competições e prêmios com seu nome, as coleções de documentos e museus, não escapando sequer os descendentes dos gatos que lhe pertenceram e têm sido objeto de intensas discussões. Alçado à condição de mito, tudo indica que o interesse por ele e sua obra jamais terminará.

Poucos escritores encontraram tantos e tão dedicados biógrafos como o “velho Hem” – como foi tratado pelos íntimos. Até mesmo no Brasil houve quem refizesse seus passos, dedicando-lhe também incontáveis ensaios. Entre as biografias, acabei de ler uma que desconhecia, embora não seja muito recente. Trata-se de “Hemingway no amor e na guerra”, de H. Villar e J. Nagel (Editora Rocco – Rio – 1999), dedicada a levantar o período que vai do alistamento do escritor na Cruz Vermelha, como motorista de ambulâncias, durante a I Guerra Mundial, até seu retorno à cidade natal, Oak Park, nos arrabaldes de Chicago. É um estudo biográfico parcial, mas analisa também sua paixão pela enfermeira Agnes von Kurowsky, que depois o rejeitou através de uma carta traumática porque pretendia se casar com um oficial e conde italiano que, por sua vez, a rejeitou. As implicações desse fato, ao longo da vida de Hemingway, e sua contribuição ao trágico desfecho pelo suicídio são estudadas à luz das cartas da própria Agnes, do escritor à família (as cartas dele à enfermeira se perderam) e do depoimento de um dos autores, H. Villard, que foi vizinho do escritor no hospital de Milão onde ambos convalesciam. Além de outros tantos depoimentos, inclusive da própria Agnes, e inúmeras outras fontes.

Como motorista de ambulância, o escritor foi atingido pela explosão de uma granada e por tiros de metralhadora, logo no início de suas atividades. Um soldado morreu na hora, outro perdeu as pernas e um terceiro ficou muito ferido e não podia se mover. Mesmo atingido, Hemingway o transportou nas costas até local seguro, quando desmaiou. Recebeu mais de duzentos estilhaços nas pernas e balas no joelho e no pé, sendo internado no hospital onde foi tratado e operado. Tornou-se um herói, recebeu condecoração por bravura, e desembarcou na terra natal numa farda impecável, ainda que coxeando e usando bengala. Nesse período, mil fatos ocorreram, maiores e menores, que Hemingway soube aproveitar muito bem em sua ficção e que os autores do livro procuraram restabelecer com fidelidade, separando as lendas da verdade histórica.

 
(25 de julho/2009)
CooJornal no 642


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

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