23/05/2009
Ano 12 - Número 633


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




ENSAIOS MODELARES


 

Somerset Maugham, leitor aficionado, não ficava sem ler, e, na falta de outra coisa, se entregava até à leitura de livros sobre livros, segundo ele os mais inúteis que existem. Pensando bem, ainda que essa leitura possa ter encanto, de que serve ler livros que falam sobre outros livros? Em suas memórias, porém, fica evidente o entusiasmo que tais leituras lhe proporcionavam.

Nelson Palma Travassos, editor que passou a vida fazendo livros, próprios e alheios, costumava dizer que livro que não se vende, como os de ensaios em geral, é inútil. É claro que tal afirmação não passava de brincadeira, pois se assim não fosse os livros mais importantes que existem, ou pelo menos a maioria deles, nunca teria sido publicada. O próprio Travassos, homem culto e escritor de talento, sabia muito bem disso, tanto que publicou inúmeros livros de vendagem duvidosa mas de significação cultural ou literária. Entre suas obras consta um “Livro sobre livros.”

Por outro lado, há muito se fala na decadência e no desaparecimento do gênero, mas penso que o vaticínio não se realizará. Recebo consideráveis livros de ensaios, muitos deles comentados na imprensa, de autores de diversos pontos do País. E se o gênero assim prolifera, certo é que tem leitores e contribui para o conhecimento de nossas letras.

Quanto a mim, essa leitura tem muitos encantos. Passam os anos e não me canso de ler coletâneas de ensaios literários, como acabo de fazer com a plaqueta “Olhares Múltiplos”, de Maria Nilza (Babylandia – Teresina – 2006), onde a autora reuniu alguns de seus mais expressivos textos de análise, interpretação e discussão de temas atuais de literatura e educação. Confesso que a leitura me agradou e me surpreendeu com revelações inéditas, ou, pelo menos, pouco conhecidas, e pelas idéias bem consolidadas que emergem do texto.

O volume se divide em duas partes bem definidas. Na primeira a autora analisa diversos poetas, como Vinicius de Moraes, Fernando Pessoa, Castro Alves e Ferreira Gullar, com abordagens episódicas sobre outros. A segunda parte, por sua vez, reúne ensaios a respeito da linguagem, as dificuldades de leitura pelos alunos, a leitura, as dificuldades do ensino, além de abordar questões filosóficas, políticas e psicológicas da avaliação, abordando outras variantes, en passant, quando necessário. Em todos esses intrincados e complexos assuntos a autora pisa com firmeza em chão conhecido, revelando-se uma aplicada pensadora de todos eles, com visão clara e posições seguras.

O ensaio mais longo se debruça sobre a obra de Vinicius de Moraes. Aqui a autora examina sua evolução como poeta, sua perene preocupação com os jovens, a questão social e o envolvimento amoroso que se reflete a cada passo em sua poética. A busca sequiosa da “plena realização pelo amor, a linhagem lírica e amorosa de seus poemas” e a justa preocupação com “a juventude de nossos dias que parece perdida sem o referencial de ícones que consagrem uma existência” (pp. 8 e 9). Aspectos biográficos e fases da vida em cotejo com a produção de cada época, esmiuçando versos e versos, sua técnica e tendência, realizam um entrelaçamento rico em sugestões sobre o homem que “não exercia apenas a atividade de poeta, ele vivia como um poeta”, segundo José Castelo (p. 12). O poeta metafísico, místico, ideológico, em constante evolução, vai caminhando em busca da liberdade de “uma nova dimensão/ a dimensão da poesia” – como seu mais célebre personagem, o humilde operário em construção (p. 27). Enfim, configura-se o poeta completo, “trafegando com desenvoltura pelas principais alamedas da poesia universal” (p. 34). Como se vê, é um ensaio cheio de revelações e que enriquece a fortuna crítica do poeta.

Quanto a Pessoa, embora mais sucinto, o ensaio não fica atrás do primeiro. Nele a autora lança “um olhar oblíquo sobre os heterônimos” (p. 39), buscando identificar a personalidade de cada um deles, valendo-se para tanto da própria poesia e de textos do poeta luso. Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos são submetidos ao crivo de uma análise biográfica e psicológica de resultados curiosos e que contribuem para a visão desse poeta tão admirado quanto estudado. “No universo de cada poeta, Fernando Pessoa e seus heterônimos, a ambigüidade dos que ousam recriar o mundo” – conclui a ensaísta.

Castro Alves e Ferreira Gullar, no derradeiro ensaio da parte inicial, são encarados em função do aspecto social de sua poética. A desigualdade social no País, por eles apontadas, persistem incólumes. “As desigualdades sociais – escreve ela – ainda desafiam a consciência crítica dos intelectuais, inquietos diante de situações desonrosas para o Brasil” (p. 56). Os brados impregnados de justa indignação desses poetas sensíveis ao sofrimento dos irmãos precisam ser lembrados para que ecoem nas consciências e resultem em providências urgentes e indispensáveis.

A segunda parte aborda temas da maior importância para um País que precisa educar seus filhos e criar leitores. Múltiplos são os aspectos abordados, lastreados no estudo e na experiência cotidiana da professora vocacionada que busca resolver os problemas, apontar caminhos, sugerir soluções. “Afinal, o que é ler?”, pequeno e significativo texto, sugere inúmeras questões que afligem a todos nós que lidamos com as letras. E os demais, em conjunto, mostram que as preocupações com esses magnos assuntos estão presentes no pensamento de muitos brasileiros de todos os recantos. Por tudo isso, o livro de Maria Nilza merece ser lido e meditado por quantos se interessam pelo destino de nossa sofrida pátria.


 
(23 de maio/2009)
CooJornal no 633


Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

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