28/03/2009
Ano 12 - Número 625


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




O PIAUÍ COMEÇOU PELO GURGUÉIA



 

O Piauí foi o único Estado brasileiro a ser colonizado do sul para o norte, isto é, do interior para o litoral. Essa circunstância fez dele uma entidade federada diferente, com características peculiares e que se refletiram na formação do povo e na economia. Sua primeira capital foi a histórica cidade de Oeiras, depois transferida para Teresina, a cidade verde, às margens do rio Parnaíba, o grande mar interior piauiense. É a única capital nordestina afastada do mar. A região sul é conhecida como Gurguéia, nome derivado dos índios que a habitavam e do rio que a banha, afluente do Parnaíba. Sólidas fontes históricas revelam que o Piauí teve início naquela parte do Estado, então conhecida como “os sertões de dentro.” A cidade de Parnaíba foi o grande centro irradiador da colonização e dali os fazendeiros empreenderam a marcha para o sudeste, levando seu gado e seus homens, implantando currais e semeando povoações. A conquista da região teve início em 5 de julho de 1674.

Esses aspectos curiosos e únicos no país, aqui esboçados em largos traços, são bem descritos e analisados em dois livros de Jesualdo Cavalcanti Barros que recebi do Autor com simpáticas dedicatórias. Refiro-me a “Memória dos Confins” e “Tempo de Contar”, ambos publicados em edições do Autor (Teresina – 2007 e 2006). No primeiro deles, livro que M. Paulo Nunes considera com razão “das mais seguras contribuições à nossa história”, diz o Autor o seguinte: “O Piauí começou, sem dúvida, pelo Gurguéia. E não poderia ser outra a conclusão, posto que os dois primeiros atos oficiais pertinentes à conquista têm relação direta com esse vale: o primeiro, como vimos, foi a entrada à aldeia dos índios Gurguéias; o segundo, diz respeito à concessão das primeiras sesmarias em 1676, todas localizadas na região” (p. 33). O capitão Domingos Afonso Mafrense fundou a povoação da Mocha, depois denominada Oeiras, que se tornou a primeira freguesia piauiense, em 1696. Inúmeros outros elementos comprovam que o Piauí inverteu a tradição brasileira, “promovendo a colonização do alto sertão para o litoral, só conseguindo uma nesga de mar” (p. 36). Em vista disso, o homem do Gurguéia se considera, com justiça, o piauiense da primeira hora, o iniciador de tudo, o abridor dos caminhos. Isolado na vastidão dos chapadões e da caatinga, entregue à própria sorte naquela natureza inóspita, forjou-se “um tipo de piauiense ousado, destemido, independente, senhor de si” (p. 12). Até mesmo no aspecto físico difere o sulista dos demais filhos do Piauí. E assim, lastreado em vasta pesquisa e consagrada bibliografia, o Autor desvenda o panorama histórico do Piauí, desde as remotas origens até os tempos modernos.

O segundo volume reúne as memórias do Autor, suas lutas, vitórias e derrotas como advogado, parlamentar, secretário de Estado, governador interino, líder estudantil e escritor. Recorda o triste episódio da cassação de seu mandato e a posterior derrubada dos processos a que foi submetido pela ditadura. Revelando mais uma vez sua inclinação pela história, faz um retrospecto da política piauiense, suas oligarquias, a influência dos poderosos coronéis latifundiários e as conseqüências negativas no desenvolvimento do Estado. São as recordações de um homem vivido, dotado de intensa cultura e sólida informação sobre o país e o Piauí, além de escrever com clareza e elegância, tornando seu texto uma leitura instigante e proveitosa.


 
(28 de março/2009)
CooJornal no 625


Enéas Athanázio,
jurista e escritor
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

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