10/10/2008
Ano 12 - Número 602


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio




RONDON E SEUS ÍNDIOS

 

Importante revista de fundo cultural, com edição de cem mil exemplares (*), acaba de prestar tributo ao general Cândido Mariano da Silva Rondon (1865/1958) por ocasião do centenário de sua pioneira expedição ao Alto Amazonas, em 1907. A região, na época, era o ínvio, o desconhecido, o perigo, mas quando convidado para a feroz empreitada, foi desde logo aceitando. “É só querer!” – teria dito. E assim assumiu o tremendo desafio de estender uma linha telegráfica ligando Mato Grosso, Amazonas e Acre, cruzando terras nunca pisadas por brancos. Nascia a célebre Comissão Rondon, autora da façanha inacreditável de instalar 25 estações telegráficas ao longo de 2268 quilômetros de cabos, com mais de metade na selva, cruzando rios e pântanos, vadeando lagoas, igapós e igarapés, perfurando matarias inceiras, afrontando animais, insetos, répteis, doenças, e, é claro, os ocupantes da terra. Com habilidade de um “híbrido de bandeirante e jesuíta”, manteve seus companheiros com a moral elevada e respeitou os índios, sempre repetindo a frase que o consagrou: “Morrer se necessário, matar nunca!” Em 1910, ajudou a criar o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), hoje a FUNAI, iniciativa de que resultaram o Parque Nacional do Xingu, o Museu do Índio (RJ), 45 administrações regionais, 14 núcleos de apoio indígena, 10 postos de vigilância e 344 postos indígenas, sem falar na política indigenista consagrada em todo o mundo pela amplitude e pelos resultados, a imensa bibliografia antropológica nacional e a integração da região, em definitivo, ao território nacional. O lendário coronel Fawcett, desaparecido naquelas matas, e o ex-presidente americano Theodore Roosevelt entraram na história, aquele cruzando com Rondon e este acompanhando-o numa expedição. Sua ação contribuiu de forma decisiva para evitar a total dizimação dos indígenas, criando uma consciência de respeito pela sua cultura, nem sempre observada, mas positiva em seu conjunto.

Engenheiro militar, bacharel em matemática e ciências físicas e naturais, militar de carreira, geógrafo e indigenista, Rondon muito perambulou pelas selvas e deixou marcas indeléveis de sua passagem. O método que desenvolveu foi reconhecido pelas grandes instituições científicas e antropológicas mundiais e lhe valeu o “Prêmio Livingstone”, mais alta láurea do setor. Com 90 anos de idade foi promovido a marechal. O território do Guaporé, em sua homenagem, passou a constituir o Estado de Rondônia.

Como que celebrando o centenário, um grupo de índios caiapós (metyktire), cerca de 87 pessoas, fugiram dos confins do Pará e caminharam ao longo de 100 quilômetros, cruzando terreno difícil, para escapar dos ataques de madeireiros e/ou garimpeiros, desses que invadem como bárbaros, matando, escalpelando e queimando. Pertencem ao grupo que há meio século decidiu se manter isolado, sem contato com o branco, e agora são forçados a buscar abrigo numa aldeia da FUNAI, sob pena de serem eliminados pela ganância de “civilizados” mais selvagens que eles próprios. Buscam o derradeiro abrigo na instituição inspirada por Rondon.


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(*) “Agitação”, publicação do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), S. Paulo, número 74, 2007, págs. 74/76.


 
(10 de outubro/2008)
CooJornal no 602


Enéas Athanázio,
jurista e escritor
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC

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