03/05/2008
Ano 11 - Número 579


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


 

OLHO CRÍTICO
 

A crítica literária tradicional, publicada nos jornais, está desaparecendo no Brasil. Existem três ou quatro críticos ainda militantes, enquanto os resenhistas proliferam. As análises passaram a ser feitas sob a forma de crítica universitária, naquela linguagem abstrusa e que ninguém lê, exceto os cupins das estantes empoeiradas. Isso é prejudicial para a literatura porque é o crítico, na condição de leitor mais experiente, que orienta os demais leitores, separando o joio do trigo e evitando que obras sem qualidade acabem prosperando.

Entre esses críticos, ainda que não seja apenas isso, está Fernando Jorge. Escritor e jornalista, biógrafo de reconhecidos méritos, homem de grande erudição e dono de admirável memória, assina a coluna literária da revista “Imprensa” e de uma cadeia de 40 jornais espalhados pelo país. Na atividade crítica ele não costuma poupar os que cometem erros naquilo que escrevem ou tomam atitudes equivocadas na área cultural. Numa de suas recentes manifestações, sugeriu a concessão do “Prêmio Nobel de Besteiras Notáveis” ao Prof. Evanildo Bechara por haver este declarado “que ninguém fala errado, todo mundo fala o idioma usado em sua comunidade.” Ora, diz Fernando Jorge, se é assim, poderemos falar “Framengo”, “sastifeito”, “cardeneta”, “nóis”, “temo” etc. Ele provou - continua o crítico - ser membro da Academia Brasileira de Letras, instituição sobre a qual Fernando Jorge publicou corajoso e fundamentado livro.

Paulo Coelho, outro integrante da ABL, também mereceu a atenção do crítico. Os freqüentes erros por ele cometidos são apontados em seus textos, como as reiteradas redundâncias, a má colocação dos pronomes, a prática de cacófatos, erros de concordância, uso inadequado de vocábulos e por aí além. Erros encontrados em verbetes de dicionários, observações equivocadas de “ombudsmans”, corrigindo o que estava correto, também não escapam ao seu crivo. Sem falar nas deliciosas crônicas que compõe, inspiradas em coisas do gênero.

Mais interessante ainda é uma crônica sobre José Sarney, onde ele revela que o senador-poeta afirma em versos que as estrelas são vacas: “As estrelas são vacas/ que vagam e se perdem/ nas enseadas da noite” (“Os maribondos de fogo”). Diante disso, sugere o crítico que os astronautas passem a levar grandes quantidades de capim ao espaço, depois de estudar qual o preferido das estrelas quadrúpedes: Capim-bobó? Capim-açu? Capim-gordura? Capim-guiné? Capim-jaraguá? Capim-membeca? Capim-bambu? Capim-canudinho? Capim-de-angola? Capim-elefante? Capim-limão? Capim-marmelada? Capim-de-burro? Capim-barba-de-bode? Assunto deveras grave, uma vez que a escolha errada poderá implicar na alimentação deficiente das pobres vacas celestes que correrão o risco de perder a luminosidade. Como ficariam, então, os demais poetas sem estrelas brilhantes nos céus? Para concluir, Fernando Jorge compôs um poema inspirado na tese sarneyana enquanto contemplava embevecido “a imensidão toda estrelada, ou melhor, toda avacalhada” do céu.

Haveria ainda, penso eu, o risco de ofender as estrelas. Vaca, hoje em dia, tem duplo significado, dependendo da entonação.



(03 de maio/2008)
CooJornal no 579


Enéas Athanázio,
jurista e escritor
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC