12/04/2008
Ano 11 - Número 576


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


 

A AVASSALADORA PRESENÇA DO MAL
 

Escritor australiano, Morris West é dos maiores sucessos de crítica e público do século passado. Vários de seus livros alcançaram tiragens impressionantes e “As sandálias do pescador” vendeu mais de 60 milhões de exemplares, número impensável no Brasil. Suas memórias,- “Do Alto da Montanha” (Record – Rio – 6ª. ed. – 2003) - vão conquistando posição destacada num gênero sem muitos leitores entre nós. Elas retratam um homem de fé católica, ex-seminarista, sempre ligado à Igreja e preocupado com os mistérios de Deus. E suas memórias, no correr de quase todo o livro, circulam em torno dessas questões transcendentais. Sendo assim, é um homem otimista, cheio de certezas e esperanças a respeito da vida futura.

Às vezes, porém, espraiando o olhar pelo mundo, ele vacila e questiona. “Quanto mais penso a respeito dessas coisas, mais assustado fico pela crua realidade, o mistério obscuro e repetitivo da maldade no mundo. Nada aprendemos com o holocausto, o genocídio em Kampuchea, com as longas e sangrentas agonias da guerra no Oriente Médio. Por que é assim? Por que nós, criaturas racionais, agimos tão perversamente, tão destrutivamente? O que produz essa monstruosidade? O que a mantém viva e se reproduzindo?” – indaga ele (pág. 124). Examina em seguida a questão da tortura que campeia por esse mundo e para a qual a imensa maioria das pessoas se limita a encolher os ombros. “Ela é planejada por seres inteligentes para chegar à total degradação de uma pessoa humana, o aniquilamento da vontade e da dignidade mediante o exercício da crueldade baseado na suprema indiferença e na ilusória onipotência” (pág. 125). Ficou deveras chocado quando um industrial brasileiro não apenas justificou os “esquadrões da morte” como informou que ele e seus colegas financiavam essas atividades (pág. 134). Claro que se tratava de um cidadão prestante, modelo de virtudes, assíduo freqüentador de cultos e generoso colaborador de entidades sociais. Diante disso tudo, conclui o memorialista: “Fui forçado a concluir – embora com relutância – que o homem é um animal enlouquecido, dedicado, por um quase universal impulso para a morte, à sua própria destruição” (pág. 138).

Creio que Morris West não conhece a “teoria” de Monteiro Lobato. Segundo ela, o ser mais elevado criado por Deus foi o macaco. Ele vivia feliz e livre, despreocupado e alegre, pulando de galho em galho. Até que um deles, errando o cipó, caiu com a cabeça numa pedra e nela se desenvolveu um estranho tumor – o cérebro humano. Seus infelizes descendentes começaram a nascer com cérebros e deu no que deu. Enquanto isso Deus, com seu imenso “sense of humour” deixou as coisas correrem para ver o que aconteceria. Com certeza está estarrecido mas entende que ainda não chegou o momento das providências.



(12 de abril/2008)
CooJornal no 576


Enéas Athanázio,
jurista e escritor
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC