29/03/2008
Ano 11 - Número 574


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


 

As surpresas de Cascudo
 

Daliana Cascudo, neta de Luís da Câmara Cascudo (1898/1986), é dedicada zeladora do patrimônio autoral e do renome científico de seu célebre avô. Diretora do Memorial Câmara Cascudo, no centro da cidade de Natal, a ele se entrega com decisão e prazer, certa de que está batalhando pela preservação de riquíssimo acervo que contém importante fatia da memória nacional neste país tantas vezes acusado de ser desmemoriado. Instalado em belo e antigo prédio, restaurado a capricho, o Memorial tem na parte dianteira uma estátua de Câmara Cascudo, em tamanho natural, sobre uma enorme mão estendida, como se o folclorista estivesse se ofertando à sua cidade, da qual nunca quis sair, e ao país cujos segredos estudou a vida toda para tentar desvendá-los. E no interior, conservada com esmero, a biblioteca que foi dele, a bibliografia sobre sua vida e obra, a correspondência recebida, e uma imensidão de fotos, documentos, publicações, recortes e tudo mais que possa interessar aos que buscam conhecer sua obra e sua personalidade.

Apesar do trabalho burocrático incessante, Daliana não se limita às tarefas rotineiras e está sempre buscando novas formas de melhor documentar a vida e a obra de Cascudo. Nesse sentido tem obtido vitórias e realizado obras difíceis, às vezes dispendiosas, dependentes da boa vontade e da colaboração de outras pessoas e entidades. Quem é do meio cultural sabe como é difícil obter recursos, por modestos que sejam, para realizações dessa área. No ano passado, vencendo dificuldades, e para marcar os vinte anos do “encantamento” do escritor, organizou a coletânea “Câmara Cascudo – 20 Anos de Encantamento”, reunindo trabalhos de vários autores, entre os quais um ensaio de minha autoria, e que foi publicada em belíssima edição pela Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EDUFRN).

Neste ano, logo no início, nova publicação teve lugar e desta vez bastante surpreendente. Curioso das coisas da aviação, desde seus primórdios, Cascudo escreveu a respeito um pequeno e curioso livro, em 1933, cujos originais ofereceu ao amigo Rocco Rosso, italiano abrasileirado. Com algumas notas deste último e recortes entremeados, lá permaneceram por setenta anos até que foram encontrados pelo genro e encaminhados à família do autor. E assim nasceu o livro póstumo “No Caminho do Avião... – Notas de reportagem aérea – 1922/1933”, editado pela EDUFRN, juntando-se à copiosa bibliografia do autor. O volume foi dedicado à memória de Edgar Dantas, o mais moço piloto aéreo do Rio Grande do Norte, morto, em desastre de avião, na manhã de 23 de maio de 1930, denotando o quando esse acidente chocou seu autor. Se o livro surpreende pelo assunto, mais surpreendente ainda são o conhecimento do assunto e a quantidade de informações que coligiu. São páginas muito vivas, repletas de fatos e figuras, não faltando datas e ocorrências, muitas vezes bafejadas pelo humor típico do autor. A segunda parte estampa uma “cronologia aérea” que vai de 1922 a 1933 e o volume se enriquece com inúmeras fotos históricas. A publicação, em resumo, representa importante acréscimo à obra de Cascudo, revelando nova faceta de suas curiosidades na área cultural.



(29 de março/2008)
CooJornal no 574


Enéas Athanázio,
jurista e escritor
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC