15/03/2008
Ano 11 - Número 572


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


 

PRESENÇA DE CASCUDO

 

Andarilho incansável, meu amigo Jorge Baleeiro de Lacerda envia um cartão comunicando que encontrou vários livros de minha autoria na biblioteca do Memorial Câmara Cascudo, em Natal, a mesma que pertenceu ao célebre escritor e folclorista. Sinal de que ele se interessou e leu meus trabalhos. É uma notícia que justifica um artigo a respeito de tão importante figura de nossas ciências sociais.
Nascido a 30 de dezembro de 1898, na cidade de Natal (RN), Luís da Câmara Cascudo foi considerado o maior folclorista brasileiro de todos os tempos e um dos maiores do mundo. Nasceu, viveu e morreu, em 1986, na cidade de Natal, recusando-se a abandoná-la, mesmo quando lhe diziam que a permanência nela prejudicaria sua obra e lhe ofereciam posições vantajosas no eixo Rio-S.Paulo. Considerava-se um “provinciano incurável”, como o definiu Afrânio Peixoto, e lá permaneceu, mostrando que isso em nada prejudicaria a difusão de sua obra. Por outro lado, sua presença incentivou a vida cultural da região, como também aconteceu com Gilberto Freyre, no Recife, e Érico Veríssimo, em Porto Alegre, entre outros incuráveis provincianos.
Todo o ano de 1998 foi dedicado às comemorações do centenário de nascimento de Cascudo, embora nem tantas como ele mereceria. Homenagens, solenidades e publicação de suplementos especiais, ensaios, reportagens, artigos e livros aconteceram durante aquele ano, procurando mostrar a importância da obra do mestre de Natal, através da qual aprendemos a nos conhecer melhor como povo, olhando-nos para nós mesmos, interpretando nossos gestos e reações. Procurando entender o que é o Brasil e quem somos nós brasileiros que o habitamos. E assim, talvez, cometendo menos erros e evitando as cabeçadas que tanto nos infelicitaram depois.
Dentre os livros publicados, destaca-se “A Presença de Câmara Cascudo em Goiás”, organizado por Getúlio Araújo, e que chegou às minhas mãos, oferecido pelo autor. Trata-se de uma curiosa coletânea de textos sobre Cascudo, em prosa e verso, assinalando sua presença na terra goiana, como, aliás, deveria ser feito em todos os Estados, uma vez que as lições de Cascudo estão subjacentes na cultura de todos eles.
O livro reuniu depoimentos analisando a personalidade do homenageado, a importância e a vastidão de sua obra, seu talento como “causeur” e seu humor, as evocações da convivência com ele, as visitas ao seu célebre casarão da Avenida Junqueira Aires e outros tantos aspectos da vida e obra desse brasileiro que não se contentava em conhecer o Brasil na superfície. O livro contém, ainda, poemas e um “ABC” em sua homenagem, cartas e textos de sua autoria, extratos da obra, algumas fotos e uma relação completa de seus livros, composta de 145 volumes publicados e 11 inéditos, totalizando 156 títulos, num conjunto tão vasto e abrangente para cuja confecção uma vida toda, ainda que longa, se torna pequena. Embora uma personalidade assim, tão produtiva e versátil, seja impossível de abarcar num só livro, este fez justiça a Cascudo e forneceu uma idéia de sua realização intelectual.
Conheci Cascudo em 1983, em Natal, numa visita que lhe fiz. Já adoentado, mesmo assim ele me recebeu com alegria, e muito conversamos. Conheci a sua famosa biblioteca, a mesma que hoje está no Memorial, e as incontáveis dignidades culturais que recebeu no Brasil e no mundo. Ao me despedir dele, trouxe comigo a convicção de que tinha vivido um dos grandes momentos de minha vida.



(15 de março/2008)
CooJornal no 572


Enéas Athanázio,
jurista e escritor
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC