08/03/2008
Ano 11 - Número 571
ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO
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Enéas Athanázio
UM BRASILEIRO FELIZ
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O
Prof. Fernando de Mello Freyre, presidente da “Fundação Gilberto Freyre”,
ofereceu-me um livro singular. Trata-se de “Câmara Cascudo, um brasileiro
feliz”, de autoria de Diógenes da Cunha Lima, e publicado em terceira
edição pela Editora Lidador (Rio de Janeiro – 1998). Como diz o autor, não
se trata de uma biografia nos moldes tradicionais, mas do registro do que
viu e ouviu em vinte anos de amizade com Luís da Câmara Cascudo
(1898/1986), considerado o maior folclorista do país e um dos mais
destacados do mundo.
Recusando cargos e posições, Cascudo nunca quis se afastar de sua cidade
do Natal (RN), onde viveu e construiu sua vasta obra. Batizado por Afrânio
Peixoto de “provinciano incurável”, era no casarão da avenida Junqueira
Aires que recebia amigos e admiradores que não cessavam de visitá-lo para
usufruir de sua prosa rica e bem humorada, repleta de histórias e
ensinamentos. Como costumava trabalhar à noite, enveredando pelas
madrugadas, mandou colocar na porta uma placa avisando que só recebia à
tarde. Ele se divertia com o fato de ser considerado a maior atração
turística da cidade. Publicou 144 livros, incontáveis trabalhos na
imprensa e deixou 11 originais inéditos. Recebeu todas as premiações e
dignidades que se possa imaginar, sem nunca ter deixado a amada terra, nem
mesmo para ser ministro, acadêmico, dirigente cultural etc. Só viajava em
busca de elementos para seus estudos.
Foi nesse casarão, em longas conversas, que o autor colheu o material para
o livro, além das pesquisas na própria obra de Cascudo. E dessa forma
original conseguiu fornecer ao leitor um retrato mais completo de nosso
maior cientista social que escrevendo uma biografia. Estão no volume, além
dos ensaios introdutórios, as conversações com Cascudo, o primeiro
trabalho publicado, quatro poemas de sua autoria (uma raridade), a cidade
vista por ele, um auto-retrato em palavras, as “cascudianas” mais famosas,
estilo e pensamento, pequenas histórias, o humor, a fortuna crítica, a
relação dos prêmios recebidos, Cascudo na palavra dos poetas e uma
completa bibliografia. O livro contém inúmeras fotos. Trata-se, pois, de
uma obra de leitura deliciosa e que nos coloca em contato direto com uma
das mais curiosas personalidades deste país. Foi o próprio autor quem
designou Cascudo como um brasileiro feliz, por ele adotada gostosamente.
Conheci Cascudo em 1983, numa visita que lhe fiz, em Natal. Minha mulher e
eu passamos uma tarde inesquecível na companhia dele e D. Dália, sua
companheira de tantos anos. Quando foi publicado meu livro “O Azul da
Montanha”, ele assim escreveu: “Muito gratas saudações pelo “O Azul da
Montanha”, guardando tantas vidas na legitimidade movimental dos hábitos e
ações. Um pequeno livro que é um horizonte de verismo, emoção, colorido
humano. E a simpatia pela motivação, explicando a ternura do pormenor, a
precisão fisionômica, a nitidez psicológica. O derradeiro “conto” é uma
perfeição sugestiva de figura sem história. Caleco ficou-me indelével.
Viverá nos “gerais catarinenses” como nas caatingas nordestinas. “O
Espírito sopra onde quer.” A irresistível mania de velho (terei em
dezembro setenta e oito anos) é ser Profeta. Santa Catarina bata com a mão
na tábua dos peitos. Ganhou um grande escritor brasileiro. Natal, 16 de
agosto de 1976.”
Lendo este belo livro de Diógenes da Cunha Lima, tive a aguda sensação de
fazer nova visita ao mestre saudoso.
(08 de março/2008)
CooJornal no 571
Enéas Athanázio,
jurista e escritor
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC
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