13/10/2007
Ano 11 - Número 550


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


 

DO OUTRO LADO DO RIO, ENTRE COQUEIROS



 

Para Antonio Possidonio Sampaio,
amizade trintenária Enéas Athanázio

“Mas o senhor quer mesmo ir até lá? – perguntou o motorista, surpreso. – É longe e complicado.” Como eu insistisse, ele deu um suspiro, pediu algum dinheiro para completar o tanque, e lá fomos nós. O dia estava lindo, com céu azul e vento suave. Como fosse nossa primeira visita à chamada Costa do Descobrimento, a viagem ficaria incompleta se não víssemos aquele recanto escondido, no extremo norte da região e pouco visitado. Ficava isolado, do outro lado do rio, entre coqueiros.

Passamos por Coroa Vermelha, local da primeira missa, e Santa Cruz Cabrália, ambas já conhecidas. Em pouco tempo enfrentávamos a fila para entrar no ferry-boat que cruza o rio João do Tiba, rio de nome estranho e foz complicada, cheia de braços e meandros, onde há constante movimento de barcos de pesca de todos os tipos. Puxada pela lancha “Lelêu”, dotada de possante motor, a balsa vai até o meio do rio, depois sobe um bom tanto, e só então embica para o outro lado. Percorrendo uma estrada bem asfaltada, avistamos fazendas e mais fazendas, todas cobertas por imensos coqueirais verdejantes. Cruzamos as vilas de São Pedro, Santo Antônio, Guaiú e Mogiqueçaba, todas isoladas e sem maiores recursos. Tão silenciosas que pareciam desabitadas.

Não tardamos a entrar em Belmonte, nosso destino. É uma cidade histórica, situada na foz do rio Jequitinhonha, que desce do norte mineiro. Rio imenso, largo e caudaloso, que despeja sem cessar enorme quantidade de água amarelada no velho Atlântico. Essa cor acobreada,- dizem,- se deve à existência de minérios no percurso e altera a coloração das águas nas praias, dando-lhes uma tonalidade diferente e que provoca rápido bronzeamento da pele, por isso muito procuradas pelos que desejam ficar queimadinhos. Em períodos de pouca chuva, como agora, forma-se um grande banco de areia na foz, separando o rio do oceano, pelo qual se pode atravessar de lado a lado. É uma comprida “coroa.”

Belmonte foi ativo porto exportador de cacau, na sua época áurea, pelo rio acima. Vapores e lanchas subiam e desciam pelo grande rio, levando cargas de cacau para abastecer o interior distante. Na cidade, os “coronéis” enriqueciam, vivendo à larga, deixando testemunhos da fartura na arquitetura, nas praças e nos jardins. Palacetes imensos, construídos com requinte, decorados com estátuas sobre portões e beirais, cercados de áreas cobertas e jardins se avistam em vários pontos. Alguns estão perfeitos, outros mal conservados e muitos em ruínas, mas cada qual com seu estilo e o secreto orgulho de passadas grandezas, guardando ocorrências memoráveis em suas biografias. As praças, largas, espaçosas, com coretos em desuso, talvez por falta de bandas, e folhudas árvores centenárias. E nas ruas largas e longas, um trânsito escasso de carros e pedestres, deixando a sensação de um vazio silencioso. Como tantas outras, Belmonte lembra o clima de algumas cidades descritas por Monteiro Lobato, exibindo a majestade de outrora e, com certeza, mergulhando no passado de fartura para enfrentar as agruras do presente. Nas temporadas de veraneio volta a animação dos banhistas, mas é passageira e logo tudo retorna ao silêncio.

Depois de pacientes andanças, visitamos a gigantesca estátua que homenageia o guaiamum (espécie de caranguejo) e descansamos à sombra, diante do curioso “Café Sem Troco.” Dali contemplei mais uma vez o velho Jequitinhonha, ocupado em escoar sem cansaço suas águas cor-de-cobre.

 

(13 de outubro/2007)
CooJornal no 550


Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC