25/08/2007
Ano 11 - Número 543


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


 

TÃO POPULAR E TÃO BOM

 

Os leitores brasileiros de Georges Simenon (1903/1989) sempre reclamavam da ausência de diversos de seus títulos, em especial dos mais antigos, em nossas livrarias. Só em bons “sebos” e com muita procura às vezes se desencantava algum deles. Agora, porém, as coisas mudaram: a Nova Fronteira e a L&PM Pocket estão lançando, em edições de bolso e excelente apresentação, a coleção do célebre autor belga, já tendo aparecido nas montras “O Caso Saint-Fiacre”, “Morte na Alta Sociedade”, “O Homem do Banco” e “O Cão Amarelo”, romances que têm como personagem central o arquifamoso comissário Maigret (Jules), da Polícia Judiciária Francesa, cuja fama rivaliza com as de Sherlock Holmes, de “Sir” Arthur Conan Doyle, e Hércule Poirot, de Agatha Christie. Considerado o mais sensível e humano do trio, Maigret não usa arma e nem a violência, exceto alguma tapona, quando absolutamente indispensável, e a meu ver mais adivinha que descobre os criminosos. Corpulento, pesadão, envergando o inseparável sobretudo negro com gola de veludo e o chapéu coco, não rejeita a boa comida e uns bons “grogues” ou “calvados”, mesmo em serviço. Embora numa fase da vida que recomendaria hábitos mais morigerados, comete todos os excessos, andando pelas madrugadas com frio, neve e chuva gelada (sempre presentes), percorre a pé distâncias incríveis, pedala, corre, sobe escadas e nunca se poupa até solucionar o caso. Não se afasta do cachimbo, já integrado à sua silhueta. Sabe gozar a auréola que o cerca, fingindo não perceber os olhares de admiração que as pessoas lançam quando aparece em público. E não é para menos, porque está sempre nos jornais e a França inteira o reconhece. Enfim, um comissário simpático e temido, que muito honra a Polícia Judiciária da qual é a estrela maior. Como as mulheres vaidosas, sua idade é um mistério. Para completar, tem uma esposa discreta e que jamais mete o bedelho em sua vida profissional.

Simenon foi um dos escritores mais produtivos do século passado. Por incrível que pareça, escreveu cerca de 400 livros, sem falar nos contos esparsos, memórias e escritos variados. Desse total, Maigret aparece em 75 romances e 28 contos. É dos personagens de ficção mais filmados da história do cinema, tanto na França como nos Estados Unidos, embora em alguns filmes surja como verdadeira caricatura do original. É verdade que o romancista contribuiu para isso porque nunca fez uma descrição de corpo inteiro do personagem. Vai semeando aos poucos, no correr de várias obras, as características pessoais do comissário, deixando ao leitor atento o trabalho de fazer a montagem final. Método semelhante ao do brasileiro Lima Barreto.

Quando criava, o autor belga “entrava em transe.” Fechava-se no escritório, com o cachimbo e o guia telefônico, de onde extraía nomes de personagens, e se isolava do mundo. Não falava com ninguém e não recebia visitas, nem mesmo seu editor brasileiro que tentou visitá-lo num desses períodos. Dono de uma criatividade impressionante e de uma imaginação vertiginosa, também foi um grande escritor. Escrevia com correção e elegância, aliando o fundo com a forma, dando às suas histórias um entrajamento literário. Usava fórmulas de mestre e, ao mesmo tempo, se mantinha em nível universal, agradando a todos os tipos de leitores. Foi por isso, com certeza, que Henry Muller afirmou que “ele era, ao mesmo tempo, tão popular e tão bom.”
 


(25 de agosto/2007)
CooJornal no 543


Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC