07/07/2007
Ano 11 - Número 536


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


 

 RANGEL E EU
 

Meu interesse por Godofredo Rangel surgiu com a leitura de Monteiro Lobato. Intrigava-me aquele escritor silencioso que só ouvia e nunca falava, o “outro lado” de “A Barca de Gleyre”, sem o qual esse fantástico livro não existiria. Comecei, então, a procurar alguma informação a respeito daquela figura humilde e discreta. Como não havia quase nada, tive a idéia de refazer os passos de Rangel através das cartas de Lobato, isto é, lendo-as às avessas. Foi assim que consegui traçar o primeiro esboço de uma biografia rangelina, coisa de duas páginas.

O resultado, porém, não me satisfazia e eu desejava saber mais. Fui aos dicionários literários, enciclopédias, antologias, e eles pouco ajudaram. Nas minhas cartas, tratei de bombardear com perguntas os meus correspondentes, em especial os mais vividos e de maior tirocínio literário. Alguns ajudaram, enviando livros, recortes e informações pessoais. Carlos Heitor Castello Branco e José Afrânio Moreira Duarte tudo fizeram para ajudar, enviando livros, revistas, indicando fontes. Fui aos poucos, com grande dificuldade, reunindo as obras do mineiro de Três Corações e elementos que projetavam uma idéia de sua passagem por este mundo de Deus. Faltava, porém, muita coisa. Junto ao Tribunal de Justiça de Minas nada consegui; nem sequer respondeu às minhas cartas. A família de Rangel não revelou interesse pelo meu trabalho; tudo se resumiu a três cartas do Dr. Nello Rangel, filho mais velho do autor de “Vida Ociosa.”

Nessa altura conheci Newton Freire-Maia, mineiro radicado em Curitiba, e tratei de extrair dele tudo que pude. Ele conhecera Rangel e fora amigo de seus filhos, mas, apesar da constante boa vontade, pouco sabia, embora se tornasse grande amigo e divulgador de meu trabalho. Às vezes se mostrava reticente sobre aspectos da vida de Rangel, o que me deixava deveras intrigado.

Foi assim, num batear pouco produtivo, como quem cata pepitas miúdas, que fui armando o terrível quebra-cabeças que é uma biografia. As dúvidas, muitas, tinham que ser resolvidas por mim mesmo, sem ter a quem apelar, tantas vezes por pura dedução. Em 1977, a trancos e barrancos, surgia, afinal, a primeira biografia: “Godofredo Rangel” (Gráfica Editora 73 – Curitiba). O livro mereceu boa acolhida, provocou inúmeras manifestações críticas e recebi novas informações sobre o escritor, constatando com satisfação que ele continha o essencial e sem erros graves. Animado, segui nas pesquisas, publicando ensaios e artigos a respeito de facetas da vida e obra do autor de “Os Bem Casados.” Em 1988, em edição da Secretaria de Cultura, vinha a público a biografia definitiva – “O Amigo Escrito” (Florianópolis), com algumas correções e acréscimos. Ambos os livros se esgotaram e foram bem distribuídos, como tenho observado. Muitos outros textos publiquei depois sobre o mineiro. Batalhei sem sucesso junto a grandes editoras para que publicassem novas edições das obras de Rangel mas elas não se animaram. As críticas impiedosas de Wilson Martins calaram fundo e desencorajaram editores, professores e estudantes.

Venho notando, nestes últimos tempos, que o silêncio voltou a recair sobre Godofredo Rangel. Apesar de meu esforço, fica a triste sensação de que o grande escritor mineiro está fadado ao mais completo esquecimento.



(07 de julho/2007)
CooJornal no 536


Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC