09/06/2007
Ano 11 - Número 532


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


 

PATATIVA DO ASSARÉ
 

Informou na época meu amigo Napoleão Tavares Neves, médico e historiador, que Patativa do Assaré estava “quase doente terminal, já esclerosado. É o inexorável determinismo biológico ao qual alguém jamais fugiu.” Mas ele continuava em casa, recusando-se com energia à hospitalização, e assim se manteve até o lamentado desenlace.

Antônio Gonçalves da Silva nasceu pobre, no sertão cearense, filho de agricultores, em 1909. Só teve seis meses de escola mas, desde criança, revelou incrível pendor para a poesia. Agarrado ao cabo da enxada, capinando o duro solo semi-árido, ia compondo suas poesias, armazenadas na memória e depois, em casa, registradas em papel nas letras garranchentas de um mal alfabetizado. Assim surgiram cordéis recitados nas feiras e poemas que começaram a correr de boca em boca. Nascia ali, num recanto arredio de civilização, o grande poeta.

Seus poemas, populares e eruditos, marcados por profundo sentido social, não tardaram a cair sob olhos entendidos. Professores, críticos, resenhistas, jornalistas, leitores, todos se espantavam com a qualidade e a riqueza daquela poesia brotada da cabeça de um sertanejo rude e sem estudo. Em pouco tempo foi rebatizado como Patativa, comparando-o à ave de mavioso canto, e do Assaré, lugarejo humilde onde nasceu e sempre viveu, ao pé da Serra de Santana. Seu nome caiu no ostracismo, substituído pela glória de Patativa do Assaré, considerado o maior poeta popular do Século XX. Seus livros ganharam o país e o mundo, suas declamações foram gravadas, sua morada fixada em filmes, sua presença requisitada em grandes programas de rádio e televisão. Sobre ele surgiram artigos, ensaios, teses, dissertações. Poemas de sua autoria ganharam versão para outros idiomas. E o pobre e desconhecido Assaré ganhou o mundo, levado pela fama do filho ilustre.

Depois, aos 93 anos, recolhido ao leito de doente, Patativa do Assaré mereceu inúmeras homenagens. Dentre elas, é imperioso destacar o livro-álbum “Digo e não peço segredo”, com organização e prefácio de Tadeu Feitosa (Escrituras Editora - S. Paulo - 2002). Espécie de autobiografia, ou memória, baseada nos depoimentos do próprio poeta, recordando fases de sua existência, desde a infância, a maturidade e até a velhice, entremeadas com poesias ilustrativas de cada situação. O livro revela um homem singular, sempre voltado para sua arte, sem pedir compensações, tanto que continuou pobre e vivendo a mesma vida humilde. Dotado de agudo senso crítico, soube denunciar a injustiça e as mazelas, mas também cantar o amor, o bem, a natureza, a felicidade, a alegria, a vida. Um poeta para todos os gostos, cheio de amor à terra e ao país, despido de vaidade, embora feliz com o reconhecimento que leva bem longe seu Assaré e a criação do Memorial que guardará seu acervo. “Sua obra é como uma grife, espécie de fala que existe como suporte para traduzir o universal” – escreveu o organizador. Ele é o exemplo cabal de que. para ser universal, nada melhor que cantar a própria aldeia.

O livro é ilustrado com belíssimas fotos do poeta e da região feitas por Robson Melo.


PS – Patativa do Assaré faleceu hoje, 8 de julho de 2002, horas depois que concluí este artigo. É minha homenagem ao poeta do sertão.




(09 de junho/2007)
CooJornal no 532


Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC