26/05/2007
Ano 11 - Número 530


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


 

EVOCAÇÃO
 

Atrevo-me a pensar que o livro “Cavaleiros Prateados”, de Mercês Maria Moreira (Edição da Autora – Belo Horizonte – 2004) é a evocação poética de entes queridos que já “passaram para o outro lado do mistério” – como dizia mestre Machado. Não a evocação barulhenta, teatral, dramática; pelo contrário, é a lembrança mansa e serena diante do irremediável. Coerente com o lema que norteia a obra, haurido em Anatole France: “O passado é a única realidade humana. Tudo o que existe é passado” (pág. 3). Relembrar os bons momentos vividos e vivê-los outra vez, fixando-os para sempre em poemas, é o remédio eficaz e possível.

Entes encantados, brilhantes e cintilantes como a prata, nítidos como nunca na memória da poeta, cavalgando livres na sua imaginação. Por isso vivos, porque não morre quem permanece nas lembranças. Não estão esquecidos, não estão ao abandono. Apesar da saudade e da tristeza, reflete sobre a condição deles, calmos e tranqüilos, enquanto os daqui se debatem em mil inquietações. “A voz dos vivos, sinistra, / É cheia de inquietação, / Insulta, provoca e fere, / É tão cruel, tão desumana” (pág. 12). Enquanto isso, a voz dos mortos “Tranqüila, serena e livre, / Traz na música envolvente/ O ramo agreste, que tem/ O vento morno que o embala...” (pág. 11). Passagens de “A Voz dos Mortos”, um dos pontos altos do livro.

Mas é em “Dão” que ela parece concentrar o mais fundo sentimento de perda, nostalgia, desolação. Aqui a evocação é tão forte que ele parece se materializar diante dela. As palavras fortes se sucedem e o leitor penetra naquele clima, dividindo com ela as sensações. “Os sinos plangem: dão, dão!” – choram, soam tristes, lastimam; “plangem lentos e dolentes” – doloridos, magoados, lastimosos; “plangem os sinos em responsos” – orando, rezando; “de catedral, campanário, ou dobres de carrilhão” – toques ecoam pelo ente que partiu; “tanto quanto antes, agora, pesaroso cantochão” – como se o canto sacro vibrasse na nave de um templo. Mas a realidade dura e fria se impõe: “Plangem os sinos ao Dão, / Ao Dão que se foi embora... / Ao Dão do meu coração...” E adiante: “Acabei ficando só! / No peito abriu-se uma fenda, / E a vida tornou-se um nó!” (págs. 17 e 18).

“Elegia” é mais um grande momento do livro. Cântico de saudade esboçado em poucas linhas - grito, apelo, súplica. “Levaste tudo o que eu tinha: / A paz, a graça, a alegria. / Levaste a felicidade/ E me deixaste sozinha!” E ainda: “ – Por que não levas também / Esta infinita saudade / Que vai muito além do além / E me tortura por ti?” (pág. 42).

Por fim, um destaque para o soneto “Retrato de minha mãe”, evocação pungente de quem “jamais será presença neste mundo.” E no entanto, “embora tão longínqua, ainda chora comigo! Embora tão longínqua, me abençoa ainda!” (pág. 67).

Como as “folhas que tombam quando vem o outono... E ninguém as socorre!” – dos versos de Alphonsus de Guimarãens – também tombam as pessoas queridas, de forma irremediável, sem socorro possível. Mercês Maria, porém, mantém perenes e vivos seus entes amados graças à sua poesia rica e bela, reunida neste livro singular.




(26 de maio/2007)
CooJornal no 530


Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC