07/04/2007
Ano 10 - Número 523


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


 

COLEÇÃO ARICY CURVELLO
 

Poeta de renome, Aricy Curvello também exibe um lado desbravador e viageiro. No período em que residiu na cidade de Porto Trombetas, noroeste do Pará, intuiu desde logo que ali estava uma região virgem para curiosas e interessantes pesquisas, em especial no campo arqueológico. Iniciou, então, atentas excursões pelas perigosas bordas da floresta, andando pelas margens desertas do Lago Batata, enfrentando a lama, os espinhos, as cobras, os terríveis insetos, as chuvas repentinas, o sol inclemente e até as chacotas de alguns colegas “pragmáticos.” Não tardou a encontrar materiais arqueológicos, cerâmicos e líticos, de evidente valor científico, salvando boa quantidade de peças, fato registrado, na época, pelo “Jornal da Vale” (Cia. Vale do Rio Doce) e pela revista “Manchete” (Rio de Janeiro).

Nessas buscas solitárias, juntou cerca de 450 peças de cerâmica e 15 de pedra, inclusive um ídolo valiosíssimo. Num ato de puro desprendimento, doou o conjunto de achados ao Museu de História Natural da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde foi submetido a todos os testes científicos de praxe e devidamente autenticado. O curador do Museu, arqueólogo Carlos Magno Guimarães, constatou que os objetos pertenciam à cultura konduki, uma das três culturas pré-históricas da Amazônia brasileira e que lá floresceu do século I ao século XV de nossa era. Para complementar o trabalho, o arqueólogo elaborou minucioso ensaio analítico e descritivo do material, analisando e descrevendo cada peça (material, dimensões, configuração, resquícios de tintas, presumível idade etc.), além de estabelecer suas finalidades e seus objetivos mais lógicos. O ensaio foi publicado, com todas as ilustrações, nos “Arquivos do Museu de História Natural da UFMG.” Em 1992, o cientista francês André Prous, um dos maiores conhecedores da pré-história brasileira, estampou diversas peças da coleção no importante livro-guia ou livro-síntese “Arqueologia Brasileira”, a elas fazendo várias referências. O ídolo de pedra (esteatita) é a vedete do conjunto, existindo apenas doze conhecidos em todo o mundo, dentre os quais este tem as maiores dimensões.

Diante da importância documental e da grande variedade, o conjunto foi considerado uma “coleção”, recebendo o nome de seu descobridor, Aricy Curvello, e integrado em definitivo ao acervo arqueológico do Museu e, em conseqüência, à arqueologia nacional. Com a publicação do ensaio e das referências em importantes obras especializadas, a comunidade científica tomou conhecimento da coleção e dos novos elementos de informação que ela veio trazer sobre a cultura konduki. Desde então tem sido visitada, estudada e admirada pelos estudiosos de vários ramos da ciência, alunos de todos os graus e curiosos em geral. A sensibilidade própria dos poetas revelou, mais uma vez, que vale seguir a intuição, mesmo porque ela às vezes funciona como a inspiração que leva ao poema. Nessa época, Aricy Curvello compunha o poema “O Acampamento”, uma de suas mais festejadas criações. Por inexplicável coincidência, seu nome se ligava para sempre à ciência, enquanto esse belo poema o prendia com laços permanentes à Amazônia e seus mistérios. Era a mestra vida tecendo em silêncio os seus insondáveis fios.
(Contatos com o poeta: Caixa Postal 0 4-2 0 8 1 – Praia de Jacaraípe – Serra/ES).




(07 de abril/2007)
CooJornal no 523


Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC