10/03/2007
Ano 10 - Número 519


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


 

COMO NASCE O POEMA?

 

O mecanismo que faz nascer o poema na mente do poeta é um dos maiores mistérios da criação literária. Onde germina a idéia, como ela se forma, de que maneira o sentimento e a técnica se unem para colocar em palavras as idéias são perguntas que nunca encontraram respostas satisfatórias. Estudiosos de várias áreas têm investigado a questão e os poetas, tantas vezes surpresos diante da própria obra, rebuscam em si mesmos as explicações. Aricy Curvello, um dos mais expressivos poetas das novas gerações, autor de vários livros e colaborador de importantes revistas literárias do país e do exterior, também se submeteu a esse questionamento e escreveu, talvez para ele mesmo, as conclusões a que chegou.

“Estou chegando à conclusão – diz ele – de que a verdadeira história de um poeta é a história de seus poemas – não a sua biografia pessoal. O curioso é que há poemas que caminham sozinhos, que criam suas próprias trajetórias. Parece que a poesia vem de mais fundo do que julgamos.” Lembra, então, o instigante caso de seu poema “O Acampamento”, de 1975/1976, que ilustra muito bem a hipótese. Esse poema – continua o poeta – “é algo assim, desses fatos que não se consegue explicar racionalmente.”

Relembra, então, que trabalhava na Amazônia, na cidade de Porto Trombetas, onde conseguiu salvar boa quantidade de materiais cerâmicos, de grande valor arqueológico e científico, em sucessivas e silenciosas expedições pelas bordas perigosas da floresta, andando pelas margens desertas do Lago Batata, enfrentando o sol inclemente, os terríveis mosquitos, a lama, os espinhos, as chuvas repentinas e até as chacotas de alguns colegas de trabalho, desses mais realistas que o rei. Juntou nessas andanças apreciável quantidade de objetos, suficientes para constituírem uma coleção, depois doados ao Museu de História Natural da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde foram estudados, catalogados, descritos e fotografados pelo arqueólogo Carlos Magno Guimarães, em estudo publicado em revistas especializadas. O conjunto foi batizado de “Coleção Aricy Curvello”, integrando hoje o patrimônio arqueológico nacional.

O curioso, no aspecto literário, é que esses fatos se ligavam, de forma inconsciente, à composição do poema acima referido e que se formava dentro dele. “O que ninguém sabia até há pouco tempo – informa ele – é que só me dispus, àquela época, a entrar pela floresta por causa da composição desse poema, estava escrevendo o poema (mentalmente), naquele semi-transe que a busca da poesia às vezes provoca. Esses poemas que parecem ter um destino incomum – dói-me dizer – são aqueles feitos, não de conteúdo racional e lógico, mas de uma massa mágica de dons mesclados com significados anímicos, quase primitivos em nós, que não somos tão civilizados quanto parecemos.”

Além do fato de que o poema o ligou para sempre à Amazônia, observa ele que “O Acampamento” nunca cessou de se mover por si próprio. Ganhou as páginas de livros, revistas, suplementos e jornais. Mereceu aplausos da crítica e dos leitores, inspirou escritores, provocando neles aquela “descarga elétrica” que impele à boa produção. E nada indica que tenha encerrado sua caminhada, muito pelo contrário. Outras publicações irão levá-lo aos corações dos leitores, onde ficará guardado para sempre.



(10 de março/2007)
CooJornal no 519


Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC