17/02/2007
Ano 10 - Número 516


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


 

A AMAZÔNIA EM PERIGO

 

Em decorrência da globalização, vem se difundindo o entendimento da soberania limitada, mitigada, reduzida, ou que outro nome tenha, segundo o qual os países continuam mandando em seu território, embora já não mandem tanto assim. Ainda que a teoria seja em si uma contradição, uma vez que soberania pressupõe poder soberano, vai se cristalizando a idéia de que havendo interesse internacional será possível a intervenção em outro país. Assim, entendendo certos países que está em jogo um interesse maior, estaria legitimada a intervenção, mesmo à revelia do governo e do povo do país que a sofresse. Como a definição do que seria esse interesse internacional pode ser manejada à vontade, em tese todos os países estão na corda bamba, ainda mais os pobres e destituídos de força militar. Assim, no caso da Bolívia, poderiam os países atingidos alegar um possível desequilíbrio mundial no abastecimento de gás e invadir o país, obrigando Evo Morales a reconsiderar a nacionalização.

No que nos diz respeito, vem se difundindo a idéia de que somos incapazes de gerir e conservar a Amazônia, cuja manutenção é do interesse universal, uma vez que constitui “o pulmão do mundo” – para usar a surrada definição. Com alarmante freqüência, personalidades mundiais vêm repisando declarações nesse sentido, embora a mídia brasileira não as reflita como deveria. Parece haver uma preparação, a longo prazo, para alguma medida a ser tomada contra nós e tramada nos bastidores. Considerando os autores de tais declarações, elas são deveras preocupantes. Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos, John Major, ex-primeiro ministro inglês, Mikhail Gorbachov, hoje no ostracismo, Henry Kissinger, o velho fomentador de guerras, e até François Miterrand se manifestaram nesse sentido. Este último não poderia ser mais direto: “O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia”, declarou. Esse discurso cresce no espaço e no tom, em especial na velha França, aquela que foi venerada por tantas gerações de brasileiros como a “segunda pátria”, revelando quão implacável é a política mundial quando se confronta o interesse do rico com o do pobre. A essas vozes agourentas se juntam a pregação de milhares de seitas e igrejas que atuam na região, a presença maciça de pesquisadores estrangeiros de todas as áreas, o contrabando descontrolado de espécimes da fauna e da flora, o desmatamento sem limite, as queimadas monumentais e a contínua contaminação dos rios, fatos que ganham manchetes na imprensa de todo o mundo. O jornalista português Alfredo Nascimento, depois de percorrer sozinho a região, publicou um livro realista e sincero sobre as barbaridades que viu (“Amazonas – Uma viagem fantástica”). De minha parte, tendo viajado por lá, fiquei impressionado com a degradação de certas áreas. Em muitas delas a floresta foi queimada em pé, restando uma imensidão de troncos carbonizados, com os galhos ressequidos e estendidos como braços implorantes. E o resultado foi pífio, a julgar pelas pastagens ralas e o gado sem qualidade que avistei.

Depois de cinco séculos, não conseguimos alimentar nosso povo, não lhe demos moradia e saúde, a massa de analfabetos só faz aumentar. Se não conseguirmos ao menos conservar íntegro o próprio território nacional, perdendo a Amazônia, teremos que confessar, em uníssono, que nosso país, mesmo com todas as potencialidades que tem, é um rotundo fracasso.




(17 de fevereiro/2007)
CooJornal no 516


Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC