25/11/2006
Ano 10 - Número 504


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


 

ARQUIVO LIMA BARRETO (1)

 

Lima Barreto (1881/1922) foi um ativo missivista. Escreveu incrível quantidade de cartas sobre os mais variados assuntos e aos mais diversos missivistas. Vivendo numa época em que a carta era indispensável porque não existiam as facilidades de comunicação de hoje, esmerava-se na redação das suas e guardava cópias, coisa impensável nos dias atuais, ainda mais que escrevia à mão e numa letra garranchenta que, não raro, provocava reclamações. Como conseqüência, recebeu também impressionante número de cartas. Parte dessa correspondência, ativa e passiva, pela sua importância histórica e interpretativa de sua obra, foi reunida por Francisco de Assis Barbosa, com meticulosas anotações, e publicada em dois volumes pela Editora Brasiliense, integrando suas Obras Completas (1956). Hoje esses volumes são raridades disputadas a tapa pelos “limanos” e bibliófilos.

Meu amigo Pedro Ingo, um desses “ratos” de bibliotecas, livrarias e sebos, me brindou há tempos com um volume dos “Anais da Biblioteca Nacional” contendo o “Arquivo Lima Barreto”, catálogo organizado pelo poeta Darcy Damasceno, reunindo correspondência ativa e passiva de Lima Barreto e de terceiros (com breve resumo das cartas), papéis pessoais, textos autógrafos e várias (1985).

Embora o volume não contenha novidades, mesmo porque estudei muito a vida e a obra de Lima Barreto, sobre quem publiquei um livro (“O Mulato de Todos os Santos”), ele me proporcionou um reencontro com o autor de “Policarpo Quaresma”. O presente de Pedro Ingo valeu!

Repassando as cartas de Lima Barreto, no entanto, acode-me outra vez um já sentido sentimento de pena e comiseração. Desconheço na literatura brasileira outro caso de escritor que tenha esbarrado em tantas dificuldades para realizar sua obra como ele. Mulato sem disfarce, suburbano, pobre ao extremo, filho de pai que enlouquece, vítima de todos os preconceitos e, por fim, ébrio sem cura, Lima Barreto padeceu todas as desgraças em sua breve existência de 41 anos. Nunca foi reconhecido em vida e suas Obras Completas só foram publicadas cerca de três décadas após a morte precoce do escritor. No entanto, Lima Barreto foi um gênio das letras, o Machado de Assis dos pobres, como tal reconhecido pela melhor crítica nacional e estrangeira, objeto de livros e teses sem conta, aqui e no Exterior, ensaios, artigos, reportagens, pesquisas, adaptações para o teatro, o cinema e a TV. “Policarpo Quaresma” mereceu há pouco tempo riquíssima edição em espanhol, com completa bibliografia, na qual tive o prazer de encontrar vários trabalhos meus.
Como tantos outros escritores e artistas, Lima Barreto é um caso típico de glória póstuma. Para ele, o reconhecimento chegou tarde, após a morte física. Em vida, todas as portas lhe foram fechadas. Mas a obra genial e permeada de humanismo lhe garantiu a imortalidade.




(25 de novembro/2006)
CooJornal no 504


Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC