23/09/2006
Ano 10 - Número 495


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


 

FALANDO DE GILBERTO AMADO
 

 

 

Gilberto Amado (1887/1969) foi um dos escritores mais famosos do país. Como passou boa parte da vida no exterior, suas vindas ao Brasil eram saudadas como acontecimentos culturais, ocasiões em que costumava lançar novos livros, proferir palestras e dar entrevistas. Jurista, romancista, ensaísta, poeta e, acima de tudo, memorialista, considerado por muitos o maior que tivemos, possuía um séquito de admiradores ansiosos de sua palavra. Como professor, atraía alunos de todas as classes, e suas aulas se convertiam em autênticas conferências públicas. Durante muitos anos chefiou a delegação brasileira junto à Comissão de Direito Internacional da ONU, em Genebra, onde também conquistou grande admiração. Vaidoso, irritava-se quando se referiam na sua presença a outro Gilberto, porque esse nome – dizia ele – “só designa a mim próprio.” Teve diversos biógrafos e estudiosos de sua obra, entre eles o Ministro Mozart Victor Russomano, que serviu com ele em Genebra.

Ainda jovem, foi deputado e senador nos remotos dias da República Velha (antes da Revolução de 1930). Os discursos que proferia da tribuna do Congresso, sempre estudados no conteúdo e primorosos na linguagem, alcançavam repercussão, atraindo muitos ouvintes, e apareciam transcritos e comentados nos grandes jornais. Entre os mais famosos está o discurso “As condições políticas do país”, depois incorporado ao livro “Eleição e representação”, proferido na Câmara dos Deputados em 12 de setembro de 1925. Como lembrou um amigo, a peça oratória completou oitenta anos no último 12 de setembro, embora sua leitura seja atual e proveitosa, mostrando que certas coisas, no Brasil, são imunes ao tempo, parecendo imutáveis. Vale a pena recordar alguns tópicos.

Afirmava ele que os partidos de então, como os de hoje, não se distinguiam uns dos outros pelo pensamento ou linha programática. Dominados por um grupo, - denominado comitê, diretório ou executiva, - escolhiam os candidatos aos postos eletivos sem que os filiados pudessem opinar, tal como acontece hoje. O chefe ou grupo dominante escolhia os candidatos, “consagrados” em convenções por ele controladas, como hoje e sempre. “Em verdade, o que há é uma nomeação e não uma eleição” – escreveu.

Mais adiante, - dizia, - uma vez eleito o candidato, deixa de existir entre ele e o seu eleitor qualquer nexo político. Dono do mandato, o eleito dá as costas aos seus votantes, muda de partido e de posição, passa do governo à oposição e vice-versa sem dar a menor atenção ao que pregou na campanha e conquistou seus votos. Temos visto isso com lamentável freqüência, os chamados estelionatos eleitorais. A fidelidade partidária e o registro da plataforma de campanha, cujo descumprimento implicaria na perda do mandato, até hoje não foram introduzidos e neste último nem sequer se fala.

Por fim, lembra ele que naqueles dias remotos, como hoje, o vencido nunca se julga perdedor, mas trata de concorrer com o vitorioso às benesses do poder. É a velha é conhecida adesão, inchando partidos e criando maiorias fictícias, ao arrepio da decisão das urnas e da vontade do eleitor.

Num silêncio aterrador, as palavras de Gilberto pareciam ecoar para o futuro distante: aquele que vivemos hoje, oitenta anos depois, e que viveremos para sempre, ao que tudo indica.


 
(23 de setembro/2006)
CooJornal no 495


Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC