02/09/2006
Ano 10 - Número 492


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


 

CIRCUITO GILBERTIANO

 

 

Numa viagem a Aracaju, ocorreu-me aproveitar a ocasião e realizar o que chamei de “Circuito Gilbertiano”, isto é, uma visita às cidades de Gilberto Amado (1887/1969), um dos autores de minha maior admiração, sobre quem escrevi um livro, e o maior memorialista nacional, com o perdão dos devotos de Pedro Nava. E foi assim que, numa manhã de muito sol e calor, rumamos para o sul sergipano, conduzidos pelo paciente motorista Gilson, competente no ofício mas que se revelou péssimo fotógrafo, decepando cabeças, amputando pés e desviando o rumo das fotos. Por sorte nossa, não fez isso na direção.

Percorrendo uma região bem industrializada, não tardamos a entrar em Itaporanga, cidade onde o escritor se criou, a cujo nome os políticos acrescentaram um estranho apêndice: D’Ajuda. Andando pela cidade, situada às margens do rio Vaza-Barris, o mesmo que banha Canudos, procuramos vestígios da passagem de Gilberto Amado. Tardávamos a encontrar, até que alguém sugeriu o nome de “seu” Ítalo, espécie de memória viva da cidade. Lá fomos nós em busca do iluminado personagem, encontrando-o refestelado numa cadeira à porta de sua casa, numa rua que é autêntico túnel formado por centenárias árvores folhudas. Bom de papo, ele nos mostrou a casa onde morou o escritor em menino, da qual só resta a fachada, bem ao lado daquela em que ele próprio reside. Um casarão de muitas janelas e portas para a rua, onde funcionava o armazém de “seu” Melk, pai de Gilberto, do qual ele tirava o sustento da filharada. Cerca de duzentos metros além, na baixada, corre o Vaza-Barris, o rio em que o futuro escritor aprendeu a nadar e a remar, conforme relata em “História de Minha Infância.” Nosso informante conheceu o pai e o avô do escritor, mas não o próprio Gilberto, mesmo porque este saiu da cidade muito jovem para estudar na Bahia e Pernambuco. Depois de muita prosa com “seu” Ítalo, fomos em busca da “Rua Embaixador Gilberto Amado” e logo a encontramos. Estreita e curva, mantém um bem conservado conjunto de casas em estilo colonial e o calçamento original. Na saída, uma parada diante da ponte nos permitiu descortinar o rio de Gilberto, o mesmo que ele chamava de “papa-estrelas” porque refletia, nas noites calmas, o luar brasileiro de que tantas saudades ele sentia quando servia longe da pátria como diplomata.

Dando adeus a Itaporanga D’Ajuda, rumamos para Estância, onde nasceu o escritor. Cidade maior e mais rica, com intenso movimento, embora com características de cidade antiga. No Memorial da Cidade nos forneceram textos sobre o escritor, embora pouco confiáveis e sem novidade. Dali partimos em busca da casa onde ele nasceu, ainda em seu estado original. Nela nada existe que lembre o escritor, exceto uma placa afixada na fachada. Funciona no local a Lira de Estância, ou seja, a banda local. Nas paredes repletas de fotos, nem uma só do grande memorialista. Restou o consolo de que a casa está em pé. Visitamos em seguida o Colégio Estadual Gilberto Amado, num bairro da cidade, assim meio escondido num recanto. Pelo que constatei, mesmo sendo o maior patrimônio cultural da cidade, da região, do Estado, e um dos maiores do País, Gilberto Amado é pouco lembrado e conhecido naquelas bandas. Sugeri ao setor de eventos da Prefeitura que promovesse, pelo menos, uma pequena solenidade no dia de seu aniversário, na casa onde nasceu. Vamos ver se a sugestão encontra eco.

Além de escritor, Gilberto Amado foi jurista de renome mundial na área do Direito Internacional, tendo presidido por várias vezes a Comissão de Direito Internacional da ONU, em Genebra. No final dos trabalhos anuais, ele era lembrado nas “Gilberto Amado Memorial Lectures”, ocasião em que trechos sobre ele e sua obra são lidos pelos integrantes da entidade, os maiores especialistas de todo o mundo. Homenagem jamais prestada a um patrício nosso. Não sei se a prática ainda perdura, mas os brasileiros em geral desconhecem o fato e os conterrâneos do escritor não fogem à regra.



(02 de setembro/2006)
CooJornal no 492


Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC