26/08/2006
Ano 10 - Número 491


 

ENÉAS ATHANÁZIO
ARQUIVO

 

Enéas Athanázio


 

A OBRA DE GILBERTO AMADO

 

 

Com o desaparecimento do escritor Nelson Salasar Marques, no correr do ano passado, reduziram-se as chances de surgir um novo biógrafo de Gilberto Amado (1887/1969). Ele foi um dedicado estudioso e intérprete da obra de Gilberto, conhecedor seguro de todas as fases de sua existência, sobre quem publicou admiráveis ensaios que nunca foram reunidos em livro, o que é uma pena. Estava preparado como ninguém para empreender a grande biografia que Gilberto Amado merece, uma vez que todos os livros e ensaios sobre ele existentes são fracionários e incompletos. Não existe, a rigor, uma verdadeira biografia. A chamada “fase internacional” do escritor, desde seu ingresso na diplomacia, está ainda por ser levantada e traria, sem dúvida, informações interessantes.

Essas observações me ocorreram após a mensagem de um amigo paulistano, admirador de Gilberto, informando desolado que não encontrou um só livro dele ou sobre ele na Bienal do Livro. É um fato lamentável porque a obra gilbertiana integra o patrimônio cultural brasileiro e seus ensaios e discursos formam entre as mais sérias interpretações do Brasil e de sua gente. Alguns de seus pronunciamentos, embora feitos há muitos anos, ecoam até hoje porque apontavam questões que ainda perduram, imunes ao passar dos tempos.

Romancista, crítico literário, ensaísta, poeta e, acima de tudo, memorialista, Gilberto Amado foi também professor e jurista dedicado ao Direito Internacional, tendo chefiado a delegação brasileira junto à Comissão de Direito Internacional da ONU, da qual foi seguidas vezes presidente. Na área da ficção produziu “Os Interesses da Companhia” e “Inocentes e Culpados”, romances que nunca mereceram análises criteriosas e que acabaram mais ou menos esquecidos, mesmo sendo muito bem escritos e desvendem tramas intrigantes. No ensaio, entre outros, escreveu “A Dança sobre o Abismo” e “A Chave de Salomão”, este último o mais célebre, o mais citado e o mais lido, considerado modelar no gênero. Não pode ser esquecido, nessa área, o volume admirável que é “Dias e Horas de Vibração”, no qual o cidadão do mundo lança agudo olhar sobre o Planeta e faz previsões que nunca erraram o alvo. Seu conteúdo foi diluído em outros volumes. Como poeta, produziu “A Suave Ascensão” e “Poesias”, este último constituindo-se uma coletânea selecionada pelo próprio autor. Surgem, então, as memórias, em cinco alentados volumes, começando pela célebre “História de Minha Infância.” Tal foi a receptividade que o restante da obra, por injusto que fosse, caiu no ostracismo e o autor galgou a condição de maior memorialista de nossas letras, ombreando-se apenas com Pedro Nava.

A ternura, a poesia, o sentimento humano, as lições de vida e o amor à natureza que emanam dessas páginas encantou a todos e encheu os corações de várias gerações de leitores. A história singular do menino pobre, nordestino e feio que tudo supera e se torna um cidadão do mundo através do trabalho e do estudo se tornou, ela própria, um marco de nossas letras.



(26 de agosto/2006)
CooJornal no 491


Enéas Athanázio,
escritor e Promotor da Justiça catarinense (aposentado)
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC