18/03/2006
Ano 9 - Número 468


 

 

Enéas Athanázio


 

A DITADURA TELEVISIVA

 

 

O excessivo apego das pessoas à televisão e a influência nem sempre positiva que ela exerce têm sido objeto da preocupação de estudiosos de várias áreas, inclusive do próprio meio televisivo. O escritor Ricardo Teixeira de Salles, em recente ensaio publicado numa importante revista de cunho cultural, abordou o tema de forma interessante, merecendo alguns comentários. Trata-se de “A servidão do olhar e da mente”, no qual ele conclui que “a era da comunicação de massa está revelando um fenômeno estarrecedor e que é a espetacularização da vida no âmbito social de nosso tempo” (*).

Visitando duas amigas, ele constatou, estarrecido, que elas mantinham cinco aparelhos de televisão ligados ao mesmo tempo, “estrategicamente localizados nos principais cômodos da casa, habitada somente pelas duas.” Assim, onde estivessem, fazendo o que fosse, mesmo se locomovendo de uma peça para outra, “estavam sempre plugadas ao mundo do espetáculo visual da televisão.” Claro que isso não ocorre em todas as casas, mas representa bem o que significa a submissão à ditadura que a televisão impõe. Por outro lado, anota o ensaísta, ninguém se livra dela porque onde quer que vá haverá sempre um aparelho ligado: bares, restaurantes, hotéis, bancos e até ônibus e aviões. Quase sempre no mesmo canal.

Numa casa assim invadida pela televisão, aparelho dominador e barulhento, não restará tempo para outras coisas, como a leitura, a escrita, o rádio, o papo em família, o recolhimento individual. Talvez seja por isso que tanta gente não saiba mais conversar e as ruas das pequenas cidades se esvaziam durante certas horas. Além disso, a televisão tende a unificar tudo, desde os assuntos até os sotaques, as expressões, as histórias e as piadas. “Participamos do desenvolvimento de uma cultura estranha às nossas verdadeiras, ricas e multifacetadas regionalidades nacionais.” Com efeito, a triste realidade é que, de norte a sul, a preocupação dominante é com o que vai acontecer na novela, com este ou aquele personagem, se o bom será premiado e o mau punido. Preocupações que acabam se sobrepondo às reais, espetacularizando a vida e deixando a realidade em segundo plano.

Assim, conclui ele, “estamos deixando de falar para escutar. Enclausurados, assistimos à televisão; expulsos de nossas ruas, que se tornaram ameaçadoras, assistimos à televisão; cerceados por merencório e insolúvel desemprego, assistimos à televisão; sufocados pelo sistema econômico-financeiro, assistimos à televisão; seduzidos pelos argumentos capciosos dos políticos, assistimos à televisão; assustados com o descaso da sociedade com os reais problemas da nação, assistimos à televisão. E, já que através desse veículo de comunicação não existe mais a diferença entre público e privado, assistimos à televisão.” E dessa forma – arremata o ensaísta – “somos prisioneiros passivos da televisão, onde as idéias não circulam livremente, dado o seu caráter monologal. E se as idéias não são ventiladas livremente, não teremos um estado de situação democrática...”

Está aí um bom assunto para pensar.

(*) “Revista da Academia Mineira de Letras”, B. Horizonte, Vol. XXXV, março de 2005. 


(18 de março/2006)
CooJornal no 468


Enéas Athanázio é escritor
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Florianópolis - SC