16/03/2024
Ano 27
Número 1.359





ENÉAS ATHANÁZIO
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Enéas Athanázio


A MULHER DO DIABO

Enéas Athanázio - Colunista, CooJornal

O filósofo e economista alemão Karl Marx (1818/1883) foi o pensador mais influente da humanidade. Suas ideias penetraram de tal forma as mentes humanas que dividiram o mundo em duas metades irreconciliáveis e o marxismo penetrou em todos os campos das ciências sociais. Em parceria com o amigo Friedrich Engels, publicou o panfleto denominado “Manifesto do Partido Comunistas”, um dos textos mais lidos em todo o mundo, cujo impacto tirou e ainda tira o sono dos capitalistas apegados aos seus bens. Publicou mais tarde seu livro “O Capital”, a mais importante de suas obras e que até hoje incomoda os donos do dinheiro. Revolucionário desde a juventude, formou-se em Direito e obteve o doutorado em Filosofia, mas jamais exerceu a profissão, atuando como jornalista quando conseguia arranjar colocação em alguma publicação. Temido em toda a Europa, foi expulso da Alemanha, da Bélgica e da França, até se refugiar em um bairro pobre de Londres, onde viveu seus últimos anos. Graças à ajuda de Engels, homem de família rica, enfrentou de maneira razoável a derradeira fase da vida. Odiado e temido, Marx era considerado o verdadeiro Diabo em pessoa. Como consequência, sua esposa era tida como a Mulher do Diabo.

Sua esposa, no entanto, pertencia à nobreza germânica, era muito bonita e elegante, além de culta e inteligente. A aristocrata Jenny von Westphalen pertencia a uma família influente e que tinha até membros integrando o governo prussiano. Diante disso, era previsível que seu casamento com um jornalista revolucionário e sem emprego encontrasse resistência. Mas ela amava o “Mouro”, como o chamava, e com ele se casou, disposta a enfrentar as intempéries. O casamento durou 32 anos, tiveram sete filhos e alternaram períodos de alguma opulência com outros de miséria, vivendo da ajuda de amigos, em especial de Engels, pequenos empréstimos e até empenhando móveis, roupas e prataria. Mudanças de endereço, fugas da polícia política, cobranças e ameaças de prisão pontilharam a existência do casal. Enquanto isso, Marx escrevia como um alucinado, atuava em quanto movimento popular surgia no mundo, arregimentava os companheiros e lutava pela implantação da I Internacional, da qual foi o primeiro presidente. Seus artigos e ensaios vibrantes surgiam em jornais e revistas de grande público e provocavam novas medidas restritivas a ele impostas, inclusive a proibição de fazer e escrever sobre política, únicas coisas que ele sabia fazer. Firme ao seu lado, Jenny o ajudava de todas as formas ao seu alcance. Houve ocasiões em que amaldiçoou “O Capital”, afirmando que ele constituía um pesadelo.

A vida tumultuada da esposa de Marx foi reconstituída e publicada entre nós pela Editora Record, em tradução de Christina Cabo (Rio/S. Paulo – 2019). “Jenny Marx ou a Mulher do Diabo” é muito bem escrita e fundamentada. Segundo depoentes da época, Jenny recebia com elegância os amigos em sua casa, ainda que os móveis estivessem furados, sem braços ou rengos. Mesmo vivendo aos trancos e barrancos, sendo até recolhida à prisão, jamais perdeu a classe aristocrática e a simpatia. Os que a conheceram afirmam que mantinha um porte exemplar, mesmo tendo que driblar o padeiro, o açougueiro e até o médico que cobravam seus honorários. Foi uma companheira inigualável.

Segundo a biógrafa, Marx teve um filho fora do casamento. Frederick Demuth seria filho de Jennichen, serviçal que residiu por muitos anos com os Marx, manteve sempre boas relações com a família. Era mecânico de coches, pessoa de pouca instrução e faleceu aos 78 anos.

Engels sobreviveu ao amigo. Ainda ajudou uma das filhas de Marx, Laura, casada com Paul Lafargue. “Em 1910 – registra a autora – dois visitantes russos de aspecto pobre chegaram à casa de Laura e Paul de bicicleta. Foram recebidos cordialmente. Falaram de filosofia, visitaram o parque, discutiram o papel das mulheres... Mais tarde, a visitante conta: “Estava muito excitada...Afinal de contas, tinha a filha de Marx diante de mim. Olhava-a intensamente, procurando em seu rosto trações do pai.” Os visitantes eram Lânin e Nadeja Krupskaia.

Lênin e a mulher, pobremente vestidos, chegam de bicicleta.

Karl Marx foi sepultado em Londres, no Cemitério de Highgate, na chamada ala dos renegados. Para visitar o túmulo é necessário pagar ingresso, ou seja, privatizaram o túmulo do maior socialista da história.

O legado de Marx foi para muitos o ideal de uma vida digna e humana. Para outros, a mais trágica impostura do Século XX.



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Enéas Athanázio,
escritor catarinense, cidadão honorário do Piauí
Balneário Camboriú - SC



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